Só ganha quem provar que tem razão
As reclamações são bem sucedidas se conseguir demonstrar que a sua versão da história é verdadeira
Todas as histórias têm duas versões, vingando quase sempre a que é mais engraçada ou mais verosímil. Já quando o assunto é uma reclamação, em princípio, prevalece a de quem provar ter razão, por exemplo, através de testemunhas. O mesmo aplica-se a uma ação judicial: só ganha em tribunal quem comprovar a sua versão dos factos.
Em regra, cabe a cada envolvido recolher as provas que sustentam a sua posição. Mas há situações em que esta premissa não se aplica. Em conflitos com garantias, por exemplo, recorre-se à chamada "presunção legal": assim, se surgir um defeito no prazo de dois anos num bem móvel (como um eletrodoméstico) ou de cinco anos num imóvel, presume-se que este já existia quando o bem foi adquirido. Ou seja, o consumidor nada tem a provar a não ser a existência do defeito. Se o vendedor não demonstrar que este ocorreu após a entrega, por exemplo, devido a má utilização do cliente, considera-se que o defeito é de origem. Nesses casos, o consumidor tem direito à reparação, substituição gratuita do bem, redução do preço ou a terminar o contrato.
Os meios mais usados são as testemunhas e a prova documental, que inclui recibos, faturas, certidões, contratos, declarações, apólices, pareceres técnicos, atas, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou gravações de áudio e de vídeo. Num processo judicial, podem ainda ser considerados outros recursos, como a opinião de um perito, o resultado de uma inspeção judicial ou uma confissão. As provas a reunir variam consoante o caso, pelo que indicamos, para 10 situações diferentes, os documentos que poderão ajudá-lo a "ganhar" a luta.
1. "Comprei massa fresca no supermercado. Em casa, apercebi-me de que o prazo de validade terminara no dia anterior. O que fazer?"
O documento essencial para decidir a reclamação a seu favor é o recibo de compra. Guarde também o produto, para provar que a validade tinha expirado. Munido dessas provas, contacte a loja e exponha o caso. Esta é obrigada a devolver o dinheiro ou a trocar o produto sempre que a sua qualidade ou quantidade não correspondam ao anunciado, haja falhas de higiene ou tenha expirado o prazo. Se não tivesse detetado o fim do prazo e a ingestão da massa tivesse causado distúrbios alimentares, poderia exigir uma compensação pelos danos sofridos, nomeadamente o pagamento das despesas médicas. Mas, para isso, deve ter a cópia de todos os encargos com medicamentos, exames, despesas hospitalares, bem como a cópia dos exames e relatórios médicos.
2. "Ao abrir a embalagem do detergente, verifiquei que faltava metade da quantidade anunciada. Posso reclamar?"
Sim, porque a quantidade indicada na embalagem tem de corresponder ao conteúdo. Guarde o talão de compra, o produto e entre imediatamente em contacto com o vendedor. Entregue-lhe o detergente e peça uma caixa nova ou a devolução do dinheiro. Se este não aceitar, registe uma queixa no livro de reclamações do estabelecimento.
3. "Estou a mudar o piso do meu terraço. Um vizinho acusou-me de não ter pedido autorização ao condomínio, o que não é verdade. O que devo fazer?"
Guarde toda a correspondência trocada com a administração do condomínio ou com os vizinhos. Se obteve autorização, apresente a cópia da ata da assembleia em que a obra foi aprovada. Se não a tiver, peça uma cópia ao administrador.
4. "O empreiteiro deixou a pintura mal feita e acabamentos incompletos na cozinha. O que posso fazer?"
Se o empreiteiro não reparar os defeitos ou não fizer um desconto ao preço inicial, resta-lhe recorrer ao tribunal ou ao julgado de paz (www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt). Junte o orçamento da obra, a correspondência trocada, os comprovativos dos pagamentos e, se for esse o caso, os recibos dos materiais que tenha comprado. Tirar fotografias é essencial: estas permitem visualizar os defeitos da obra, o que pode decidir a ação em seu favor.
5. "Bati com o carro num buraco da rua onde moro e o pneu rasgou. Chamei a polícia, que me disse que posso pedir o reembolso do arranjo à câmara. É assim?"
Sim, é verdade. Nestes casos, chame a polícia, para esta atestar a ocorrência. É produzido o chamado o auto da polícia (que terá de ser pago pelo condutor) com a descrição do acidente. Este pode ser decisivo para provar as condições e o local exato do embate. Se possível, tire fotografias ao local, ao estado da viatura e tome nota de nomes e meios de contacto de condutores ou transeuntes que tenham presenciado o acidente. As testemunhas são essenciais se levar o caso a tribunal. Quando substituir o pneu rasgado, guarde ainda a fatura de compra do novo. No caso da Câmara de Lisboa, é ainda necessário descarregar do seu portal um documento para efetuar o pedido de reembolso.
6. "O banco cobrou-me uma comissão de manutenção da conta não prevista no meu contrato. É legal?"
O banco não pode cobrar valores que não estejam acordados ou não constem do preçário. Reúna a cópia do contrato da conta à ordem e o extrato bancário com essa cobrança e dirija-se à instituição. É aconselhável expor a situação por escrito. Se não tiver resposta ou o montante não for devolvido, apresente queixa no livro de reclamações do banco e participe ao Banco de Portugal, através do formulário disponível no portal do cliente bancário (http://clientebancario. bportugal.pt).
7. "Em maio, recebi uma fatura do gás relativa a setembro de 2012. Houve um erro de leitura e a empresa exige mais 30 euros. Sou obrigada a pagar?"
Não é obrigado a pagar, desde que este valor nunca lhe tenha sido exigido antes, ou seja, não se trate de um pagamento em atraso. Nos serviços públicos essenciais - água, luz, gás, telefone fixo, telemóvel, Internet, televisão, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais e gestão de resíduos sólidos urbanos -, o fornecedor não pode cobrar serviços prestados há mais de seis meses. Sendo esse o caso, não tem de pagar a conta. Ainda assim, para "arrumar" de vez o assunto, escreva à empresa, indicando que se trata de uma cobrança indevida.
8. "Comprei um carro usado num stand em junho de 2012. Este mês, tive problemas na correia de ventoinha, que tem de ser substituída. Como reclamar?"
À partida, o carro está dentro da garantia. Em regra, o prazo é de dois anos, a menos que, no momento da compra, tenha acordado com o vendedor reduzi-lo para um ano. Leve o carro ao stand e junte o documento específico de garantia. Em alternativa, entregue o contrato de compra e venda, o recibo ou o comprovativo de pagamento (por exemplo, a cópia da transferência bancária ou do cheque emitido ao stand). Estando dentro do prazo de garantia, a peça tem de ser substituída gratuitamente.
9. "Levei o carro à oficina e o mecânico disse-me que o arranjo rondaria 200 euros. Mas, quando fui buscá-lo, apresentaram-me uma conta de 600 euros. Poderia ter recusado o pagamento?"
Como não pediu um orçamento prévio por escrito (só lhe foi dada uma estimativa de forma informal), não poderia recusar-se a pagar. Isto desde que a oficina tenha justificado a revisão do preço, por exemplo, com a instalação de peças novas. Para evitar estas surpresas, peça sempre um orçamento prévio e confirme se este é ou não gratuito. Se for gratuito, deve conter essa menção e não lhe pode ser exigido qualquer valor por isso. Se não for, deve indicar o custo. Seja qual for a resposta, guarde uma cópia do mesmo. Em ambos os casos, o orçamento compromete a oficina a respeitar os valores acordados, nada mais podendo cobrar. O valor da reparação só pode aumentar se entretanto tiver dado autorização para serem efetuados outros serviços.
10. "Mesmo depois de levar o carro à oficina, continuo a ouvir um ruído. Tenho de pagar uma nova reparação?"
Não. Se já pagou à oficina por este serviço, apresente a cópia do comprovativo do pagamento e exija que o problema seja resolvido de uma vez por todas e sem mais custos. Exponha a situação por escrito à oficina ou ao serviço de assistência ao cliente. Se se vir forçado a recorrer a transportes alternativos, guarde os comprovativos das despesas, como recibos de táxis ou de aluguer de carro, e exija o seu reembolso. Dirija-se ainda à oficina com um ou dois amigos e verifique se esta está disposta a resolver o problema. Assim, caso seja necessário, estes poderão testemunhar a seu favor se o caso chegar a tribunal.
- Alguns direitos prescrevem, pelo que, decorrido o prazo legal, não precisa de guardar os documentos. Por exemplo, as dívidas às instituições públicas de saúde prescrevem após três anos, tornando-se desnecessário guardar os comprovativos de pagamento após essa data.
- O "passar dos anos" pode comprometer algumas provas. A tinta dos talões de pagamento, por exemplo, tende a desaparecer, o que pode dificultar ou até impossibilitar a sua leitura. Se forem ilegíveis, estes documentos não têm valor como prova, pelo que deve tirar cópias.
- Pagar através de transferência bancária, cartão ou cheque dá-lhe sempre mais garantias do que pagar em dinheiro. Se for necessário fazer prova do pagamento, bastará apresentar o talão ou consultar o movimento na sua conta. Caso pague em dinheiro, certifique-se de que fica com um recibo em como pagou.
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