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Vai um quilo de batatas por uma massagem capilar? Ou um pano de croché

Dois quilos de batatas. Um molho de alhos. Um saco de milho de freira. "Tenho aqui muita coisa", exibe o senhor António, o único homem entre 40 mulheres. "Ora muito boa tarde!". Casaco roxo, calça branca, sapato roxo. É dona Piombina quem se faz anunciar. Traz uma abóbora debaixo do braço. Chega agora Emília. Vem com um grande pano debruado a croché.

22 de Junho de 2009 às 08:00

"Sra. Emília, não vai haver granjas no mercado para pagar isto", brinca Andreia, a moça que coloca os rótulos nos artigos. Sábado à tarde. O relógio marca três horas. O mercado solidário na Granja do Ulmeiro, concelho de Soure, Coimbra, está prestes a começar.

Do porta-moedas do senhor António saem notas de papel colorido, amarelas, verdes e laranjas. Parecem peças de monopólio. Mas não. Chamam-se granjas, a moeda solidária daquele mercado que acontece na aldeia a cada dois meses. Mas nem só de granjas vive este homem rodeado por 40 mulheres.

Na sua carteira estão também as justas e as diabitas, moedas comunitárias de terras vizinhas. É que o senhor António gosta de correr os mercados. "Tenho ido a todos", frisa com o seu cartão de granjeiro ao peito. "Trago as batatas e os alhos lá de casa. Tenho um quintal com quatro 'galhadas de terreno', faço vinho com fartura da minha uva. Sai um tinto com cor de mel", conta. "Hmm. A batata está a 150 granjas o quilo, mas esta é pequenina... Que tal a cem, senhor António?", sugere Andreia. "Mas olhe que esta é mais procurada para assar do que a batata graúda", contesta o homem do mercado. As negociações continuam.

A tabela de preços, definida há cinco anos pela comunidade de Granja do Ulmeiro, está afixada na parede. Nos produtos da terra, a liderança dos preços é disputada entre os ovos e as batatas. Na fruta, o figo é campeão. No artesanato, ganha a almofada feita à mão. Custa 300 granjas. Nos serviços, cada hora de companhia está a 150 granjas e medir a tensão vale 100. A massagem capilar está a 25 granjas.

"Estes valores servem de referência, mas ajustamo-los sempre em assembleia-geral antes de o mercado começar. Um mês chuvoso pode afectar a produção de batata. Nesse caso, aumentamos o valor para 200 granjas", exemplifica Joana Pombo, responsável da AJPaz - Acção para a Justiça e Paz, associação sedeada na Granja do Ulmeiro, que organiza o mercado.

"Quando os produtos não estão tabelados, tentamos chegar a um valor por comparação. Um dia veio cá uma senhora com uma galinha viva, poedeira. Trocou-a por 600 granjas. Mediu a tensão, fez uma limpeza de papel, levou tecido para uma saia e ainda lhe sobraram granjas...".

O senhor António faz da batata a sua galinha dos ovos de ouro. Convenceu a assembleia. A batata pequenina faz frente à graúda, sim. Andreia cola o rótulo: 150 granjas. Sorridente, o granjeiro segue caminho até à bancada dos produtos da terra. Sem sorriso está Maria Jesuína. "Fui uma das primeiras a chegar e puseram-me aqui", resmunga no meio dos seus panos e 'peguinhas'. "Olha o belo do limão ecológico! Olha a bela flor Mimos de Mãe!". A algazarra começa. "E que tal uma massagem de mãos com creme que cheira tão bem?". Dona Piombina tira os anéis e estica os dedos. "Daqui a bocado tem de fazer as unhas ao Zé Miguel, estão cheias de surro", goza a senhora dos sapatos roxos. Afinal havia outro. Homem. Este, José, faz parte da organização.

O senhor António é abordado por Cecília. A vizinha vai levar o milho de freira. "Vou fazer pipocas aos netos", conta . Do bolo da Lucília, dividido em fatias a 25 granjas cada, já só restam migalhas para trocar. De guardanapo na mão, as senhoras acompanham a guloseima com uma chávena de chá frio. Maria Jesuína resmungou, resmungou, mas já não tem nada na mesa. "Para vender não há pai", vocifera agora.

Sara, socióloga, vem de Coimbra oferecer pequenas experiências de cinema de animação. Tem um portátil e uma câmara de filmar. "A ideia é entreter as crianças", comenta. Mas crianças há poucas. Senhoras de cabelos brancos e menos brancos, sim, há muitas. E trocam palavras "tu lá, tu cá" com duas jovens, uma italiana, outra turca. Chiara e Melis estão a fazer serviço voluntário europeu.

"Elas dão-nos aulas de inglês e de italiano na sede da AJPaz", relata La Salette, conhecida pelos seus belos bordados de flores, apontam as vizinhas. "Não, não é bem assim". La Sallette, aprumada, encolhe os ombros, embaçada com os elogios. "Como eu não tenho quintal, trago estas coisinhas e levo batatas para casa", justifica-se. "Acho que é uma maneira de fazer face à crise", explica, delicada, olhos postos no chão. "Olhe, até já fomos com a italiana e com a turca à marcha mundial das mulheres, em Vigo ", atira Aurélia. "Sim, sim. Falamos de muita coisa. De sexismo...", enfatiza esta mulher de Granja do Ulmeiro.

Começa a actuação do grupo de pauliteiros. Depois das trocas, a farra. António e as 50 mulheres ficam. "Marcamos o próximo mercado para Agosto?", pergunta Joana. "Dia 15 não. Há festa", respondem vozes várias. "Dia 8 pode ser?" Pode.

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