"Gestão de risco tem de ser encarada numa perspectiva empresarial alargada"
O responsável de "corporate affairs" da OCDE, Mats Isaksson, sublinha a importância de se colocar em prática os sistemas de "pagamento com base na performance" em todas as estruturas empresariais e não somente nos seus níveis mais elevados. Em entrevista, Isaksson afirma ainda "que as práticas de compensações representaram um papel activo na promoção da acumulação de risco que conduziu à crise".
O responsável de "corporate affairs" da OCDE, Mats Isaksson, sublinha a importância de se colocar em prática os sistemas de "pagamento com base na performance" em todas as estruturas empresariais e não somente nos seus níveis mais elevados. Em entrevista, Isaksson afirma ainda "que as práticas de compensações representaram um papel activo na promoção da acumulação de risco que conduziu à crise".
Quais são as principais lições em termos de “corporate governance” que podemos retirar desta crise?
A lição mais óbvia é a de que a “corporate governance” (CG) é extremamente importante. Os executivos das empresas, os decisores políticos, os reguladores e os accionistas precisam de tomar mais atenção à CG.
Quando os tempos eram de bonança, parece que muitos deles optaram por fechar os olhos e agora as consequências são visíveis. O aumento do valor de uma acção de uma qualquer empresa não é, necessariamente, um sinal de boa governança. A história diz-nos que, na verdade, até poderá significar exactamente o oposto.
Quais as questões que necessitam de uma atenção mais urgente?
Existem quatro áreas em especial: a gestão de risco empresarial, os salários e bónus, a performance dos executivos de topo e a necessidade dos accionistas serem mais proactivos no que respeita ao seu papel de proprietários das organizações.
Comecemos então com as remunerações. Existe uma enorme ira pública no que respeita aos salários dos gestores em muitos países. Poderemos entender esta reacção como um sinal de uma corporate governance pobre existente no interior das organizações? Como podem os princípios de CG ajudar?
Não me surpreende esta indignação pública. E quando existe um laço tão fraco entre remuneração e performance trata-se, obviamente, de um caso de pobre corporate governance. Pesquisas recentes mostram que quatro em cinco financeiros acreditam que as práticas de compensações representaram papel principal na promoção da acumulação de risco que conduziu depois à crise. Existem problemas graves com o sistema de “pagamento por performance”.
Contudo e para o entendermos correctamente, é necessário termos em atenção as estruturas de pagamento em toda a empresa e não só no que respeita aos seus CEO ou executivos de topo. O nosso trabalho tem demonstrado que é igualmente importante lutar com a forma mediante a qual os bónus são estipulados e pagos entre os traders e os gestores de portefólios na empresa em causa. Temos assistido a inúmeros exemplos de empregados a quem foram dados incentivos de curto prazo que não estão em linha com a sustentabilidade de longo prazo da empresa. Este factor contribuiu para a intensificação de riscos impossíveis de gerir que, eventualmente, “puxaram” as empresas para o fundo. Os princípios de “corporate governance” podem ser uma enorme mais-valia no sentido em que fornecem uma estrutura para os conselhos de administração decidirem os seus esquemas de remuneração. E, obviamente que neste caso, os conselhos de administração têm aqui um papel principal. Quando olham para os diferentes modelos de compensação, os conselhos de administração devem, explicitamente, questionar-se a si mesmos se o seu modelo está alinhado com uma tomada de risco prudente, sem esquecer os objectivos de longo prazo da empresa.
Mas se o modelo de “pagamento baseado na performance” não funciona, qual a alternativa?
O pagamento baseado na performance funciona, embora necessite ser melhor gerido e ter um maior nível de transparência. A governança dos sistemas de remuneração tem falhado muitas vezes porque as decisões e negociações não são postas em prática em toda a sua extensão. Os gestores e outros insiders têm tido demasiada influência no que respeita ao nível e condições expressas para o pagamento com base na performance, a mesmo tempo que o conselho de administração se sente indisponível ou incapaz de exercer uma avaliação independente e objectiva. Em muitos casos, torna-se até extremamente difícil estabelecer uma ligação entre a performance e a remuneração nesse tipo de esquemas. Por exemplo, as empresas têm vindo a utilizar avaliações gerais do preço das acções em vez de “isolarem” a performance relativa de uma empresa em particular. Por outro lado, estes sistemas de pagamento são igualmente descritos de uma forma que torna difícil aos accionistas e a outros envolvidos compreenderem as suas implicações em termos de riscos, custos, etc.
Esta crise fez despoletar fracassos massivos em termos de gestão de risco. Apesar de muitas empresas possuírem controlos internos no que respeita aos seus relatórios financeiros, tornou-se claro que os executivos não compreenderam ou não comunicaram os riscos financeiros de muitos dos instrumentos nos quais estavam a investir. Poderão os princípios impostos pela OCDE ir ao encontro desta questão?
Sim. A nossa mensagem é que a gestão de risco tem de ser encarada numa perspectiva empresarial alargada na qual o sistema de gestão de risco é continuamente ajustado à estratégia corporativa e à ânsia de risco. É necessário igualmente melhorar a exposição à gestão de risco entre os membros do conselho de administração e assegurar de que estes têm ao seu dispor a informação necessária para tomarem decisões adequadas. Desta forma, sugerimos que as empresas incluam nos seus quadros um “responsável especial pelo risco”. Acreditamos que essa pessoa possa reportar directamente ao Conselho de Administração e não através do CEO. E estudos realizados aos membros dos comités de auditoria demonstraram que estes não estão satisfeitos com a forma como os relatórios são efectuados na actualidade. Apenas quatro em 10 dos inquiridos afirmaram que os relatórios de risco recebidos eram muito positivos.
E no que respeita aos conselhos de administração? Afinal de contas, estes têm como função inspeccionar e orientar os sistemas de gestão de risco das empresas. É um erro que lhes pode ser infligido e se sim, o que pode ser feito?
Como já referi, nem sempre recebem informação de boa qualidade. Mas a questão que se coloca é se, realmente, exigem informação de elevada qualidade. E, caso a recebam, serão capazes de a compreender e interpretar de uma forma com significado? Fazer parte do conselho de administração de uma empresa grande e complexa é uma actividade muito exigente. E não seria realista esperar que todos os membros do conselho de administração tenham um conhecimento pormenorizado de todos os aspectos do negócio. Mas, particularmente nas firmas financeiras, uma boa compreensão da gestão de risco é absolutamente vital. E esse é o motivo devido ao qual a OCDE sugeriu que o teste de “pessoa conveniente e adequada” possa ser alargado de forma a incluir também as suas competências técnicas e profissionais em áreas como a gestão de risco. De salientar que devemos também equacionar um fortalecimentos dos deveres legais dos membros dos conselhos de administração – e o cumprimento desses deveres.
Existe matéria suficiente para que os Princípios de Corporate Governance da OCDE se transformem em lei?
Os Princípios da OCDE têm como enfoque alcançar certos resultados em termos de performance, transparência, etc. A forma como isto se faz deverá variar entre os países e as empresas mas, em muitos casos, estes optaram por implementar estes princípios através da regulação e da legislação.
Considerando o desejo de se assegurar um campo de jogo nivelado este é, por vezes, o caminho escolhido para as empresas que consideram difícil e complexo darem "o primeiro passo". Assim, em conjunto com diversas iniciativas do sector privado, a estrutura formal de regras e regulamentações é suficientemente sólida na maioria dos países da OCDE. Mas aquilo que precisamos de melhorar é a monitorização da implementação. Em breve, a OCDE irá colocar em funcionamento um mecanismo que permitirá "inspeccionar" como é que países e empresas estão a cooperar com os nossos standards de "corporate governance", que foram aceites por eles. E tal não significará apenas uma maior sensibilização e conhecimento da questão. Espero que venha também ajudar à geração de ideias para uma melhoria dos termos, através do reconhecimento de boas práticas.
Já notou algum sinal por parte do sector privado no sentido de demonstrar um maior interesse na melhoria da sua "corporate governance" desde o deflagrar da crise?
Sim. Acredito que esta é uma questão que está na mente de todas as pessoas neste momento. E grandes fatias do sector privado já perceberam que têm de recuperar a credibilidade perdida. Acreditamos que as iniciativas do sector privado para melhorar a “corporate governanc”e são extremamente importantes e encorajadoras, razão pela qual resolvemos estabelecer um fórum de diálogo e partilha de experiências com o sector privado e outros “stakeholders”. No início deste ano lançámos igualmente uma consulta global na Internet onde pessoas com especialidades e experiências diferentes podem oferecer sugestões para o nosso relatório sobre a “corporate governance” e a crise financeira.
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