Empresas que pagam mais do que os seus governos
Os investidores estão a exigir cada vez mais das dívidas dos governos europeus. Os juros já chegam aos 10 por cento, mas há empresas cotadas que pagam ainda mais em dividendos.
Os investidores estão preocupados que a situação na Grécia se alastre. Mais do que o contágio aos restantes países europeus, a começar por Portugal e Espanha, o que mais assusta é a transmissão dos problemas às sociedades cotadas. Contudo, isso parece estar afastado por agora. Os economistas afirmam que, mesmo que as nações europeias marquem passo, as grandes empresas não terão dificuldade em avançar, porque a maioria delas tem dinheiro suficiente em caixa para manter o negócio à tona e porque muitas são multinacionais, extraindo uma parte substancial do volume de negócios de mercados extra-europeus. É por isso que as acções europeias contabilizam ganhos superior a 20 por cento no último ano. Além disso, os rácios de mercado, que permitem aferir se títulos bolsista estão sobrevalorizados face a momentos no passado, ainda indicam que se podem encontrar pechinchas.
Um dos efeitos imediatos que resultou dos receios quanto ao futuro económico traçado por alguns governos europeus foi a subida acentuada da rendibilidade exigida pelos investidores às obrigações governamentais. Quem adquirisse no início de Julho títulos emitidos pela República Portuguesa que se vencem dentro de 10 anos conseguiria uma taxa de juro anual ligeiramente superior a 5,5 por cento, mesmo assim longe dos mais de 10 por cento das obrigações gregas. Embora sejam rendibilidade muito interessantes, é possível encontrar algumas acções de empresas que rendem mais em dividendos do que pagam os seus governos. Em muitos casos, a taxa de dividendo, a rendibilidade implícita dos dividendos para quem comprar acções hoje assumindo que os dividendos distribuídos no último ano são repetidos nos anos seguintes, subiu bastante porque a cotação das acções foram penalizadas pelo mercado.
O Negócios foi às principais praças financeiras europeias à procura de acções de sociedades que pagam mais em dividendos do que os seus governos pagam em juros de obrigações. Apesar de ser um objectivo fácil de concretizar em mercados como o alemão, em que os juros das obrigações federais estão perto de 2,5 por cento, a meta é difícil de alcançar em praças mais próximas da crise, como a a grega, em que a dívida governamental rende 10 por cento por ano nos próximos 10 anos.
GréciaUma vencedora do campeonato de futebolÉ muito difícil bater a rendibilidade dos juros das obrigações governamentais gregas, mas não é impossível: se a OPAP, cujas iniciais gregas significam "organização de previsão de jogos de futebol", mantiver os dividendos nos próximos tempos, o ganho anual dos accionistas será de 15 por cento. A companhia ateniense, que tem o monopólio das apostas na Grécia, reduziu os dividendos nos dois últimos semestres, mas a administração explicou que isso se deveu à tributação mais pesada imposta pelo governo de Geórgios Papandréou.
Os analistas estão optimistas em relação ao volume de negócios da OPAP, apesar do aperto das famílias gregas. O Stihima, o jogo sobre resultados de futebol, deverá representar um encaixe de 300 milhões de euros durante o campeonato do mundo de futebol, mesmo depois da saída precoce da equipa helénica.
OPAP vs RepúblicaHelénicaOPAPTaxa de dividendos: 15,00%
Bolsa: Atenas
República HelénicaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 10,28%
PortugalDividendos cheios de electricidadeUma razão para os investidores se afastarem da REN - Redes Energéticas Nacionais é a sua dependência da evolução da economia portuguesa. A empresa gere a rede nacional de transporte de electricidade e de gás, um negócio directamente dependente da saúde económica de Portugal. Todavia, basta um dividendo anual para convencer todos os analistas que acompanham as acções a recomendar a aquisição. O dividendo de 16,7 cêntimos por título distribuído em Abril passado representa uma rendibilidade anual de 6,45 por cento, quase um ponto acima dos juros das Obrigações do Tesouro que atingem a maturidade dentro de 10 anos.
REN vs República PortuguesaREN
Taxa de dividendos: 6,45%
Bolsa: Lisboa
República PortuguesaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 5,58%
EspanhaUm depósito em dividendosO mercado está a castigar os bancos espanhóis, incluindo o Banco Santander, por o governo de José Luís Zapatero não ter conseguido controlar o défice orçamental, que, no final do ano passado, inchou para 11,2 por cento do produto interno bruto. Os dividendos do Santander conseguem convencer alguns investidores: os últimos quatro pagamentos trimestrais representaram 6,90 por cento das cotações mais recentes.
Há, no entanto, uma ameaça à manutenção dos dividendos elevados: o desejo aquisitivo de Emilio Botín, o líder do grupo bancário presente em Portugal através do Santander Totta. Em quase um quarto de século, Botín conduziu mais de 56 mil milhões de euros em aquisições que lhe permitiram tornar o Santander no banco mais valioso da Zona Euro, segundo a "Business Week".
Banco Santander vs Reino de EspanhaBanco SantanderTaxa de dividendos: 6,90%
Bolsa: Madrid
Reino de EspanhaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 4,58%
ItáliaLucros que vêm de todo o mundoO negócio energético pode gerar fluxos de caixa suficientes para alimentar uma taxa de dividendos elevada. Ao contrário da REN, a italiana Enel beneficia da dispersão geográfica das suas receitas um pouco por todo o mundo. Portugal foi incluído no mapa-mundo da Enel em Junho de 2009, quando a companhia italiana, a terceira maior energética da Europa, assumiu o controlo da espanhola Endesa, a operar directamente em terras lusas.
Enquanto os dividendos da Enel estabilizam à medida que a firma cresce, os juros pagos pelas obrigações governamentais italianas descem. Ainda há pouco mais de dois anos a rendibilidade dos títulos de dívida a 10 anos estavam acima de 5,2 por cento, mas hoje rondam os 4 por cento.
Enel vs República ItalianaEnelTaxa de dividendos: 7,27%
Bolsa: Milão
República ItalianaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 4,08%
BélgicaUma fénix renascidaAté chegar a crise de 2008, o grupo financeiro Fortis sempre foi um bom pagador de dividendos. Porém, depois de ter dificuldade em financiar a sua parte na aquisição do ABN Amro, em consórcio com o Santander e o Royal Bank of Scotland, foi retalhado. O negócio bancário belga foi para o francês BNP Paribas, as operações holandesas foram nacionalizadas, mas a actividade seguradora internacional manteve-se independente. A única alteração foi a mudança da designação para Ageas em Abril. A seguradora Ageas continua a ser a maior da Bélgica e uma das maiores do Reino Unido, depois da aquisição da Kwik-Fit Insurance Services, além de operar noutros mercados, como o português, em parceria com o Banco Comercial Português. Os analistas dizem que os dividendos, cuja rendibilidade anual ultrapassa os 4,5 por cento, não estão ameaçados.
Aegas vs Reino daBélgicaAegasTaxa de dividendos: 4,52%
Bolsa: Bruxelas
Reino da BélgicaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 3,39%
FrançaMúsica para os seus ouvidosA queda das acções está a elevar a rendibilidade potencial dos dividendos da francesa Vivendi. Nos últimos cinco anos, o conglomerado de telecomunicações e comunicação social caiu cerca de 40 por cento na bolsa parisiense. Os negócios mais importantes - o Canal+, a Universal Music Group e as participações na Activision Blizzard, na SFR e na Maroc Telecom - garantiram aos investidores um dividendos de 1,40 euros neste ano, o mesmo valor que o distribuído em 2009.
A Vivendi está interessada em adquirir os 44 por cento da operadora francesa SFR controlados pelo Vodafone Group, uma jogada que lhe custará perto de 8 mil milhões de euros. Segundo a Reuters, essa operação poderá não sacrificar os dividendos da Vivendi, porque a SFR é uma forte máquina de criação de fluxos de caixa.
Vivendi vs República FrancesaVivendi
Taxa de dividendos: 8,60%
Bolsa: Paris
República Francesa
Obrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 3,00%
Países BaixosUm barril de dividendosEnquanto a BP gasta milhares de milhões de euros a limpar a costa norte-americana, a Royal Dutch Shell, a companhia petrolífera de origem holandesa e britânica, gasta vários milhares de milhões a pagar dividendos aos investidores. Os pagamentos efectuados nos últimos 12 meses representam uma rendibilidade superior a seis por cento, assumindo as cotações mais recentes.
O capital da Royal Dutch Shell é representado por dois tipos de acções. A única diferença entre as acções A e B é a origem dos dividendos: as primeiras têm origem neerlandesa e as segunda britânica. Essa diferença subsiste por razões fiscais.
Royal Dutch Shell vs Reino dos Países BaixosRoyal Dutch ShellTaxa de dividendos: 6,08%
Bolsa: Amesterdão
Reino dos Países BaixosObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 2,78%
AlemanhaDistribuição pelo seguro"Dentro do limite dos resultados e face às necessidades adequadas de capital, pretendemos fornecer aos nossos accionistas um dividendo atractivo. A nossa política de dividendos é uma de continuidade", dizem os documentos oficiais da Allianz. A evolução dos dividendos distribuídos pela maior seguradora europeia está perto dos objectivos: desde 1996 que aumentaram paulatinamente até 2008. O pagamento respeitante a esse ano, no entanto, caiu face à crise financeira e às novas regras de taxação. Porém, o dividendo distribuído em 2010, referente ao exercício de 2009, já aumentou. Os analistas não receiam que a evolução do negócio nos próximos anos volte a afectar o fluxo de dividendos pagos pela Allianz aos seus accionistas.
Allianz vs República Federal da AlemanhaAllianzTaxa de dividendos: 5,11%
Bolsa: Frankfurt
República Federal da AlemanhaObrigações a 10 anos
Rendibilidade anual: 2,57%
Fundos para quem prefere a segurança das obrigações soberanasEmbora seja possível encontrar acções que apresentam taxas de dividendos mais elevadas que a rendibilidade até à maturidade das obrigações governamentais, os dividendos das empresas cotadas não são garantidos como os juros da dívida. Por isso, é natural que os investidores mais conservadores estimem mais as obrigações.
Num cenário de incerteza como o actual, em particular no universo obrigacionista, são muitos os gestores de fundos que se concentram na dívida soberana em detrimento das obrigações de empresas. É o caso do Threadneedle European Bond, gerido por Peter Allwright: apesar de poder investir em dívida corporativa, a maior fatia do fundo está em dívida governamental. "Continuámos a assumir uma posição conservadora, mantendo uma forte exposição às obrigações da Alemanha, dos Países Baixos e da Finlândia e uma reduzida participação nos títulos dos governos mais periféricos", explica Allwright no último comentário mensal ao desempenho do produto.
A política de investimento do Millennium Euro Taxa Fixa também prevê a possibilidade de investir em títulos "emitidos por entidades privadas ou emitidos ou garantidos por um Estado membro da União Europeia ou por organismos internacionais de carácter público", mas 94,31 por cento do dinheiro dos investidores estava aplicado em dívida pública no início de Julho. No último, este fundo rendeu 4,06 por cento.
Estes são os fundos de obrigações comercializados em Portugal que têm a maior parte dos portefólios aplicada em obrigações soberanas, segundo a Bloomberg.
Mais lidas