Cartel do petróleo perde influência global para os EUA

Os membros do cartel do petróleo e os seus aliados têm de decidir em breve se, a partir de abril, colocam mais crude no mercado. Enquanto vão adiando a decisão, outros produtores não OPEP+, com destaque para os EUA, têm abocanhado parte da quota de mercado da organização.
petroleo combustiveis
Sebastian Widmann/AP
Carla Pedro 26 de Fevereiro de 2025 às 09:00

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960, tem-se revestido de grande importância ao longo destes anos de existência. Aos seus seis fundadores – Arábia Saudita, Irão, Iraque, Kuwait e Venezuela – foram-se juntando outros países e, entre entradas e saídas, o grupo conta atualmente com 12 membros e é responsável por cerca de 40% da oferta mundial de crude. Nos últimos anos, as decisões da organização em matéria de fornecimento de ouro negro ao mercado têm centrado as atenções do mundo inteiro – e agora, uma vez mais, é para lá que os radares estão virados. Mas há outros intervenientes a ganharem grande relevo, como os EUA.

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Perante um cenário em que os preços continuam baixos, o que pode a OPEP+ fazer? Se, por um lado, não quer inundar o mercado com mais crude, fazendo cair mais as cotações, também não quer continuar a perder quota de mercado. E é isso mesmo que tem acontecido, já que vários países – com destaque para os Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina e Guiana – têm aproveitado para produzir e exportar mais, abocanhando quota de mercado que pertencia ao cartel e aos seus aliados.

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Assim, o domínio do petróleo já não pertence exclusivamente à OPEP+. No vasto tabuleiro energético global, os EUA tomaram a dianteira como a grande potência produtora de crude: os Estados Unidos são atualmente o maior produtor mundial de crude, com 21,91 milhões de barris por dia em 2023, o que correspondeu a 22% da quota mundial, segundo os dados do Departamento norte-americano da Energia. Em segundo lugar está a Arábia Saudita, a uma grande distância, com 11,13 milhões de barris diários (11% da quota), seguindo-se a Rússia, Canadá e China.

Nestes termos, se a OPEP+ decidir, como tem planeado, começar a abrir mais as suas torneiras, arrisca-se a que os preços possam cair ainda mais, o que afeta as suas receitas. No entanto, se outros países aproveitarem a quota que fica em aberto no mercado, nada impede que as cotações se mantenham baixas – atualmente rondam os 70 dólares por barril, quando em finais de 2023 se prognosticava que poderiam ir até aos 150 dólares devido às tensões entre Israel e o Hamas.

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Mas o panorama também poderá não ser tão sombrio como está a ser "pintado". Ao Negócios, Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas no UBS, diz não ter a certeza que as coisas se resumam a perder quota de mercado. "No fim de contas, o que a OPEP+ quer é maximizar as receitas e não a produção. E, perante a incerteza de mercado ainda elevada, o melhor a fazer poderá ser optar por uma abordagem prudente", sublinha o estratega do banco suíço. Além disso, acrescenta, "o crescimento da oferta não OPEP+ está a abrandar, o que também deverá ajudar a OPEP+".

Uma missão complexa

A missão do cartel é coordenar e unificar as políticas petrolíferas dos países membros e garantir a estabilização dos mercados, com vista a uma oferta eficiente e regular da matéria-prima aos consumidores, ao mesmo tempo que assegura receitas estáveis para os produtores e um "retorno justo" do capital de quem investe no setor. E em 2016, a OPEP percebeu que a sua missão estava a baloiçar há demasiado tempo.

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Depois de três anos de saldo anual negativo nos preços do crude, e com o ano de 2016 a revelar a mesma volatilidade, no final desse verão o grupo decidiu que era preciso captar parceiros, mesmo que não fossem efetivos, no sentido de se concertar esforços para fazer subir os preços. E foi o que aconteceu. Em dezembro de 2016 era assinada a "declaração de cooperação" entre a OPEP e 10 outros grandes produtores não membros do cartel, liderados pela Rússia, para uma retirada concertada de petróleo do mercado a partir de janeiro de 2017 de modo a fazer subir os preços.

O esforço deste chamado grupo OPEP+ deu frutos e a cooperação dura até hoje. O acordo de diminuição da oferta tem variado consoante as necessidades do mercado e o nível dos preços do petróleo, tendo a redução da oferta, durante o ano de 2020, em plena pandemia, ascendido a 9,7 milhões de barris por dia, de modo a sustentar os preços num período de forte queda do consumo.

À quarta será de vez?

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Com os programas de vacinação contra a covid-19 e a retoma da atividade económica, o cartel e os seus parceiros decidiram começar a diminuir o esforço associado ao corte da oferta, ainda que de forma gradual. Acontece que não tem sido fácil efetivar essa pretensão, já que os preços têm estado de novo em quedadepois de fechar os anos de 2023 e 2024 no vermelho, o petróleo entrou em 2025 com a mesma fragilidade e está com saldo negativo no acumulado dos dois primeiros meses do ano.

Esta descida das cotações tem impactado fortemente a OPEP+, já que, para muitos dos seus membros, o petróleo é a principal fonte de receitas. No entanto, talvez o cartel volte a decidir, muito em breve, que ainda não é hora de colocar mais matéria-prima no mercado. As referências a essa decisão são contraditórias, pelo que está tudo em aberto.

O plano inicial passava por começar a colocar gradualmente 2,2 milhões de barris por dia no mercado a partir de outubro de 2024, mas, perante a queda dos preços da matéria-prima, a OPEP+ decidiu, na sua reunião de 5 de setembro, adiar por dois meses esse plano. No encontro seguinte voltou a haver um adiamento: em vez de dezembro, essa entrada gradual de petróleo no mercado teria início em janeiro. Só que a reunião de final do ano trouxe um terceiro adiamento. Com efeito, a 5 de dezembro ficou decidido congelar por mais três meses a abertura de torneiras, iniciando-se em abril a desejada oferta de mais crude.

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Resta agora esperar para ver como irão as cotações do crude evoluir neste primeiro trimestre para perceber se a OPEP+ decide mesmo avançar em abril com uma maior entrada de petróleo no mercado. Os preços não têm estado nos níveis desejados e para isso tem contribuído uma confluência de fatores. A China, que é o maior importador mundial, tem comprado menos, numa altura em que precisa de revitalizar a sua economia. As elevadas taxas de juro que ainda se verificam em muitos países, o dólar forte, a débil atividade industrial a nível mundial e as modestas taxas de crescimento globais ajudam a compor o "cocktail". Sem esquecer a ameaça de Trump de impor tarifas adicionais à importação de produtos de muitos dos seus parceiros, o que pode colocar em causa as suas economias.

Quanto ao que poderá o cartel decidir – e terá de ser em breve – sobre a sua oferta a partir do segundo trimestre, os relatos que vão chegando são contraditórios. Se, por um lado, começaram já a correr informações de que a OPEP+ irá adiar pela quarta vez a entrada de mais crude no mercado, há também quem diga que isso não vai suceder. Foi o caso do vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, que no passado dia 17 afirmou que a OPEP+ não está a ponderar atrasar uma vez mais o aumento da oferta de crude.

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Se a OPEP+ decidir de novo adiar a abertura de torneiras, não só se arrisca a continuar a perder quota de mercado – que caiu recentemente para mínimos históricos – como também credibilidade. Para muitos analistas, essa decisão poderá, de facto, ser vista como negativa, ou seja, que o grupo de produtores já não tem mão no mercado, depois de já ter chegado a ser visto como o grande influenciador de tudo o que diz respeito ao "ouro negro" – o que lhe valeu o epíteto de banco central do petróleo.

 

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