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Como levar o luxo português para o mundo? A excelência já existe, falta afirmá-la lá fora

A internacionalização das marcas portuguesas de luxo continua a exigir esforço, visão e consistência. Num setor em que a excelência já existe, o verdadeiro desafio está em conquistar reconhecimento, criar valor simbólico e afirmar identidade num mercado global competitivo.

01 de Julho de 2025 às 16:30
Debate sobre como levar o luxo português ao mundo, em Cascais, com Américo Pinheiro e outros
Debate sobre como levar o luxo português ao mundo, em Cascais, com Américo Pinheiro e outros Bruno Colaço
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O debate “Como levar o luxo português para o mundo” contou com a participação de Américo Pinheiro, Claire Chung, Maria João Bahia, Margarida Correia, e Nuno Barra. A moderação foi da jornalista Marisa Caetano Antunes.

Portugal é um país com marcas de excelência, saber-fazer único e uma tradição artesanal de décadas, mas continua a lutar pelo reconhecimento global que tantas vezes parece escapar-lhe. O debate dedicado aos caminhos, obstáculos e oportunidades para levar o luxo nacional além-fronteiras, incluído na “Grande Conferência Negócios do Luxo”, organizada pelo Negócios e pela Must, com o apoio do município de Cascais como anfitrião e do Sheraton Cascais Resort como hospitality partner, contou com a participação de Américo Pinheiro, CEO das Tapeçarias Ferreira de Sá, Claire Chung, CEO da Ignae, Maria João Baía, designer, Margarida Correia, CEO da Amorim Luxury, e Nuno Barra, vice-presidente do Conselho de Administração da Vista Alegre Atlantis. A moderação foi de Marisa Caetano Antunes, jornalista do Now.

No segmento do home luxury, o tapete define o ambiente, e nós fazemos parte dessa definição. Américo Pinheiro, CEO das Tapeçarias Ferreira de Sá

O produto existe. Mas basta isso?

A certeza de que Portugal tem produto de excelência esteve presente em todas as intervenções. “Somos o maior produtor europeu de tapeçarias de luxo”, afirmou Américo Pinheiro, CEO das Tapeçarias Ferreira de Sá, que trabalha com marcas como Hermès ou Chanel. “No segmento do home luxury, o tapete define o ambiente, e nós fazemos parte dessa definição.”

O reconhecimento da qualidade nunca foi o problema. A dificuldade está na notoriedade fora de portas. Nuno Barra, Vice-Presidente do Conselho de Administração da Vista Alegre Atlantis

A mesma confiança partilhou Nuno Barra, vice-presidente do conselho de administração da Vista Alegre Atlantis, uma marca com mais de 200 anos de história. “O reconhecimento da qualidade nunca foi o problema. A dificuldade está na notoriedade fora de portas. Lá fora, começamos do zero.” A empresa exporta cerca de 60% do seu volume de negócios, mas, como explicou, esse crescimento foi fruto de persistência, investimento e uma base sólida. “O produto sempre foi muito bom. Mas a internacionalização exige também capacidade financeira e projeção.”

É muitas vezes mais fácil para um estrangeiro reconhecer o valor do nosso trabalho do que para um português. Margarida Correia, Designer

O desafio, no entanto, não é apenas externo. Também dentro de portas, o reconhecimento do valor do trabalho nacional continua frágil. Margarida Correia, CEO da Amorim Luxury, que detém as marcas Fashion Clinic, Paula e House of Capricorn, explicou que “é muitas vezes mais fácil para um estrangeiro reconhecer o valor do nosso trabalho do que para um português.” Segundo Margarida Correia, isso está ligado a uma certa familiaridade que desvaloriza o que é nosso: “Há quem veja certas peças como algo que já existia na casa da avó ou da tia.”

Esse desfasamento entre o valor simbólico e a perceção do consumidor nacional pode ser um entrave sério à construção de marcas com identidade forte e, consequentemente, à sua projeção internacional.

O acesso até pode ser facilitado por parcerias. O difícil é garantir a continuidade. Maria João Baía, CEO da Amorim Luxury

Ir para fora: entre vontade, estrutura e continuidade

Para quem já está presente noutros mercados, como Maria João Bahia, com pontos de venda em Gstaad, Zurique e Cannes, o maior desafio não está em chegar, mas em manter. “O acesso até pode ser facilitado por parcerias. O difícil é garantir a continuidade. Isso exige estratégia, comunicação e marketing dirigidos a cada mercado.”

Portugal é um país mais complicado para escalar marcas. Não basta ter bom produto, faltam infraestruturas básicas para apoiar este crescimento. Claire Chung, CEO da Ignae

Claire Chung, CEO da marca de cosmética de luxo sustentável Ignae, acrescentou uma nota importante: “Portugal é um país mais complicado para escalar marcas. Não basta ter bom produto, faltam infraestruturas básicas para apoiar este crescimento.” Claire defendeu a ideia de um trabalho conjunto: país e marcas a trabalharem como um ecossistema. “O potencial está cá. Mas tem de haver união. É o momento certo.”

Mudanças de perceção e novos hábitos

O conceito de luxo também está em mutação. Margarida Correia apontou para um dos efeitos mais claros da pandemia: “Houve um shift do luxo pessoal para o luxo na casa. As pessoas passaram a valorizar mais o conforto quotidiano.”

Já Maria João Bahia lembrou que o luxo continua a ter um papel simbólico importante. “Dá satisfação, segurança e confiança ao consumidor. É mais do que consumo, é também afirmação.”

Para marcas portuguesas que procuram afirmar-se globalmente, esta mudança nos hábitos de consumo pode ser uma oportunidade - se forem capazes de comunicar não apenas a qualidade dos produtos, mas também a sua história, autenticidade e ligação ao território.

Levar o luxo português para o mundo é possível, mas exige estratégia, colaboração e persistência. Não basta produzir com excelência: é preciso comunicar com consistência, educar o mercado e criar pontes culturais. Como ficou claro neste debate, o luxo português tem futuro, desde que Portugal o saiba reconhecer, dentro e fora de portas.

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