“O país perdeu demasiado tempo na alta velocidade e na ferrovia como um todo”, salientou João Jesus Caetano, presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). A opção política durante décadas foi investir na infraestrutura rodoviária enquanto se desinvestia na capilaridade da rede ferroviária, com custos económicos grandes para o país. A escolha teve uma lógica pragmática. Como explica João Jesus Caetano no debate “Política e infraestrutura para a mobilidade sustentável”, integrado na conferência de arranque da 4.ª edição do Electric Summit, uma iniciativa do Negócios que conta com o apoio da Galp e da Siemens e tem a EY como knowledge partner e Oeiras como município anfitrião, “construir uma autoestrada é muito mais rápido do que construir uma linha de alta velocidade”, permitindo captar fundos europeus com maior eficiência para criar coesão territorial e chegar às zonas do território afastadas dos centros urbanos.
“Na Europa o setor dos transportes representa 15% a 20% das emissões de carbono, dependendo das estimativas, mas Portugal chega quase a 30%”, contextualizou Luís Guimarães, Chief Commercial Officer do Banco de Fomento. Mais grave ainda, “85% do transporte total em Portugal depende do petróleo”, reconhecendo a urgência da mudança.
O projeto da alta velocidade avança com apoio financeiro estratégico. Luís Guimarães explica o modelo. “O que o Banco Português de Fomento fez foi, através de uma garantia prestada, desbloquear um financiamento adicional do Banco Europeu de Investimento”.
Mas uma questão técnica divide as opiniões e está relacionada com a rede em bitola ibérica ou europeia. Para João Jesus Caetano não há uma grande vantagem para Portugal em fazer a migração da bitola ibérica para a bitola europeia, porque a interoperabilidade não se relaciona apenas com a bitola. Acrescentou que “se fizermos em bitola europeia a alta velocidade, estamos a criar uma ilha dentro de Portugal. Essa infraestrutura não poderia ser utilizada por comboios da rede convencional”. O custo-benefício não compensaria, contrariando a pressão de Bruxelas. Nas áreas urbanas, os problemas são de outra escala. João Jesus Caetano descreve a limitação estrutural de Lisboa. “Temos quatro eixos ferroviários com capacidade muito limitada”, que são as linhas de Sintra, Cascais, Azambuja e Lisboa-Setúbal, e por isso “o transporte rodoviário de passageiros acaba por ser a solução mais evidente”.
Os problemas das cidades
A transição exige mais do que infraestrutura física. João Jesus Caetano é pragmático. “A única forma de fazermos a mudança de um carro privado para um sistema de transportes públicos é que a pessoa utilize o transporte público e perceba que há ganhos por utilizar o transporte público”.
Paradoxalmente, existe dinheiro disponível que não está a ser utilizado, o que Luís Guimarães considera uma oportunidade perdida. “Temos uma linha de quase 300 milhões de euros com garantia de até 75% do financiamento, pode ir até 10 milhões por cada investimento, e está praticamente por utilizar. Há ainda uma falta de awareness da oferta que o Banco tem”, salienta Luís Guimarães. A mudança está a acontecer, mas “as linhas específicas de mobilidade sustentável continuam subaproveitadas”.
Portagens e velocidade
“Portugal foi pioneiro na mobilidade elétrica”, recorda com nostalgia João Jesus Caetano. “Fomos o primeiro país do mundo a ter uma rede integrada e interoperável de âmbito nacional. Isto em 2009, 2010.” A crise económica travou esse ímpeto, mas o momento regressa.
No transporte de mercadorias, João Jesus Caetano aponta desenvolvimentos promissores. “Existe a Milence, uma joint venture do grupo Volvo, do grupo Daimler e do grupo Volkswagen, com 500 milhões de euros de seed money para criar uma rede de pontos de carregamento, 1.700 pontos de carregamento na Europa”.
Luís Guimarães vê o investimento industrial como motor de competências. “A vantagem de ter investimento em Portugal em tecnologia de alta gama é a capacitação dos portugueses para trabalhar nessas indústrias e melhorarem o seu portefólio de competências”.
Para as cidades, o presidente do IMT considera que “não podemos implementar o sistema de portagens sem ter uma rede de transportes públicos altamente capacitada para responder”, e salienta que a redução de velocidade nas cidades é fundamental para baixar os índices elevados de sinistralidade.
Sobre os TVDE, que já somam 40 mil veículos nacionais, João Jesus Caetano considera que “ocupam um espaço que não é ocupado pelo transporte público”, colmatando falhas de um sistema ainda insuficiente.