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A ferrovia do futuro e os desafios urbanos

Portugal enfrenta um dilema histórico na construção do seu futuro de transportes. Décadas de investimento concentrado nas estradas deixaram o país refém de escolhas do passado, que agora custam caro à economia e ao ambiente.

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Oradores no Electric Summit debatem energia para a vida Cláudia Damas
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O painel “Política e Infraestrutura para a Mobilidade Sustentável” contou com a participação de João Jesus Caetano, e Luís Guimarães. A moderação foi de Paulo Moutinho, editor executivo do Negócios.

“O país perdeu demasiado tempo na alta velocidade e na ferrovia como um todo”, salientou João Jesus Caetano, presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). A opção política durante décadas foi investir na infraestrutura rodoviária enquanto se desinvestia na capilaridade da rede ferroviária, com custos económicos grandes para o país. A escolha teve uma lógica pragmática. Como explica João Jesus Caetano no debate “Política e infraestrutura para a mobilidade sustentável”, integrado na conferência de arranque da 4.ª edição do Electric Summit, uma iniciativa do Negócios que conta com o apoio da Galp e da Siemens e tem a EY como knowledge partner e Oeiras como município anfitrião, “construir uma autoestrada é muito mais rápido do que construir uma linha de alta velocidade”, permitindo captar fundos europeus com maior eficiência para criar coesão territorial e chegar às zonas do território afastadas dos centros urbanos.

“Na Europa o setor dos transportes representa 15% a 20% das emissões de carbono, dependendo das estimativas, mas Portugal chega quase a 30%”, contextualizou Luís Guimarães, Chief Commercial Officer do Banco de Fomento. Mais grave ainda, “85% do transporte total em Portugal depende do petróleo”, reconhecendo a urgência da mudança.

O projeto da alta velocidade avança com apoio financeiro estratégico. Luís Guimarães explica o modelo. “O que o Banco Português de Fomento fez foi, através de uma garantia prestada, desbloquear um financiamento adicional do Banco Europeu de Investimento”.

Mas uma questão técnica divide as opiniões e está relacionada com a rede em bitola ibérica ou europeia. Para João Jesus Caetano não há uma grande vantagem para Portugal em fazer a migração da bitola ibérica para a bitola europeia, porque a interoperabilidade não se relaciona apenas com a bitola. Acrescentou que “se fizermos em bitola europeia a alta velocidade, estamos a criar uma ilha dentro de Portugal. Essa infraestrutura não poderia ser utilizada por comboios da rede convencional”. O custo-benefício não compensaria, contrariando a pressão de Bruxelas. Nas áreas urbanas, os problemas são de outra escala. João Jesus Caetano descreve a limitação estrutural de Lisboa. “Temos quatro eixos ferroviários com capacidade muito limitada”, que são as linhas de Sintra, Cascais, Azambuja e Lisboa-Setúbal, e por isso “o transporte rodoviário de passageiros acaba por ser a solução mais evidente”.

Os problemas das cidades

A transição exige mais do que infraestrutura física. João Jesus Caetano é pragmático. “A única forma de fazermos a mudança de um carro privado para um sistema de transportes públicos é que a pessoa utilize o transporte público e perceba que há ganhos por utilizar o transporte público”.

Temos uma linha de quase 300 milhões de euros para mobilidade sustentável que continua praticamente por utilizar, uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Luís Guimarães, Chief Commercial Officer, Banco Português de Fomento

Paradoxalmente, existe dinheiro disponível que não está a ser utilizado, o que Luís Guimarães considera uma oportunidade perdida. “Temos uma linha de quase 300 milhões de euros com garantia de até 75% do financiamento, pode ir até 10 milhões por cada investimento, e está praticamente por utilizar. Há ainda uma falta de awareness da oferta que o Banco tem”, salienta Luís Guimarães. A mudança está a acontecer, mas “as linhas específicas de mobilidade sustentável continuam subaproveitadas”.

Portagens e velocidade

“Portugal foi pioneiro na mobilidade elétrica”, recorda com nostalgia João Jesus Caetano. “Fomos o primeiro país do mundo a ter uma rede integrada e interoperável de âmbito nacional. Isto em 2009, 2010.” A crise económica travou esse ímpeto, mas o momento regressa.

No transporte de mercadorias, João Jesus Caetano aponta desenvolvimentos promissores. “Existe a Milence, uma joint venture do grupo Volvo, do grupo Daimler e do grupo Volkswagen, com 500 milhões de euros de seed money para criar uma rede de pontos de carregamento, 1.700 pontos de carregamento na Europa”.

Não podemos implementar um sistema de portagens sem ter uma rede de transportes públicos capacitada para responder às necessidades das cidades. João Jesus Caetano, Presidente, Instituto da Mobilidade e dos Transportes

Luís Guimarães vê o investimento industrial como motor de competências. “A vantagem de ter investimento em Portugal em tecnologia de alta gama é a capacitação dos portugueses para trabalhar nessas indústrias e melhorarem o seu portefólio de competências”.

Para as cidades, o presidente do IMT considera que “não podemos implementar o sistema de portagens sem ter uma rede de transportes públicos altamente capacitada para responder”, e salienta que a redução de velocidade nas cidades é fundamental para baixar os índices elevados de sinistralidade.

Sobre os TVDE, que já somam 40 mil veículos nacionais, João Jesus Caetano considera que “ocupam um espaço que não é ocupado pelo transporte público”, colmatando falhas de um sistema ainda insuficiente.

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