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A eletrificação é imparável

A transição para a mobilidade elétrica coloca a indústria automóvel europeia entre cumprir metas ambiciosas de descarbonização de Bruxelas e a concorrência chinesa que domina tecnologias cruciais e oferece preços mais competitivos.

17:00
Debate sobre energia no Electric Summit, com Galp e Siemens
Debate sobre energia no Electric Summit, com Galp e Siemens Cláudia Damas
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O painel “Setor automóvel em transição” contou com a participação de Hélder Barata Pedro, Holger Marquardt, e Miguel Pinto. A moderação foi de Paulo Moutinho, diretor executivo do Negócios.

Portugal surge como caso de sucesso na adopção de veículos elétricos. “Estamos neste momento em 7.º lugar nos 27 países da União Europeia (UE) em termos da percentagem de vendas de veículos elétricos”, com 22% na média anual e 29% só em outubro. “Se virmos aquilo que são as energias alternativas, de janeiro a outubro tivemos 68% de vendas destes veículos elétricos”, revelou Hélder Barata Pedro, secretário-geral da ACAP, no debate “Setor automóvel em transição”, integrado na conferência de arranque da 4.ª edição do Electric Summit, uma iniciativa do Negócios que conta com o apoio da Galp e da Siemens e tem a EY como knowledge partner e Oeiras como município anfitrião.

De janeiro a outubro, 68% das vendas de novos veículos já correspondem a energias alternativas, um sinal claro da mudança estrutural do mercado. Hélder Barata Pedro, Secretário-geral, ACAP

Hélder Barata Pedro atribuiu este sucesso à criação precoce da MOBI.E, entidade gestora que assegurou a interoperabilidade dos carregamentos.

Holger Marquardt, CEO da Mercedes-Benz Portugal, confirma as vantagens. “Portugal tem MBWay, tem Via Verde e tem Mobi.e. São vantagens positivas, em comparação com outros países.” Como alemão, confessa nunca alugar carros elétricos na Alemanha “porque não sei como carregá-lo”.

Apesar do sucesso nas vendas de novos, o parque automóvel português, que tem 7 milhões de veículos, tem uma idade média dos ligeiros de passageiros de 14 anos e meio. “Os veículos que vão para o abate têm uma média de 24 anos e meio”, alertou Hélder Barata Pedro. E acrescentou que Portugal importa anualmente 100 mil carros usados de outros Estados-membros “que têm uma idade média de 7 anos e são basicamente a diesel”. Esta realidade contraria os objetivos de descarbonização, levando a ACAP a defender “um programa robusto de incentivo ao abate e renovação” que retire 40 mil carros antigos de circulação.

As fileiras críticas

Miguel Pinto, presidente da Mobinov, o Cluster do Automóvel e da Mobilidade, salientou que os carros elétricos que têm preços mais acessíveis em Portugal “vêm de outras geografias que não da Europa. Os veículos europeus ainda não estão no nível de preço que a China consegue”.

Aponta duas fileiras críticas na produção de elétricos, a fileira do lítio para as baterias e a fileira dos microchips, porque os carros elétricos dependem fortemente destas duas fileiras. E deixa um alerta, porque no seu entender os números são preocupantes. “Quando olhamos e vemos que 70% ou 80% da refinação do lítio é feita na China, é óbvio que o bloco europeu está muito dependente”.

A solução passa pela reindustrialização. “Temos de trazer para a Europa uma fileira do lítio, temos de trazer uma fileira de microchips”, defende Miguel Pinto, lamentando que nos últimos 20 anos a percentagem de empregos no setor secundário em Portugal “manteve-se mais ou menos estável, mas não houve uma reindustrialização efetiva”.

Miguel Pinto partilha a convicção de que a eletrificação é um caminho que não tem volta, até pelos enormes investimentos que se têm vindo a fazer. Contudo, alerta que o período de transição é curto e que deveria ser estendido até 2040 para poder haver esta preparação.

A eletrificação não tem retorno, mas o período de transição é curto e devia ser estendido até 2040 para permitir que a indústria se adapte. Miguel Pinto, Presidente, Mobinov

A indústria de componentes portuguesa, com 60 a 70 mil trabalhadores diretos e vendas de 17 mil milhões de euros, enfrenta desafios particulares. “Ainda existem muitas empresas em Portugal, fornecedoras de componentes, que estão associadas ou que têm um modelo de negócio muito associado à combustão, e que precisam de tempo para fazer essa transição”, lembrou Miguel Pinto.

Apesar dos avanços, a rede de carregamento continua problemática. Hélder Barata Pedro deixa uma critica. “A União Europeia quando definiu estas metas para a eletrificação, não definiu metas para os pontos de carregamento.” A assimetria territorial persiste, com a maior parte dos 7 mil postos concentrados no litoral.

O ritmo da transição esteve em foco no debate. Hélder Barata Pedro recorda um Conselho de Ministros do Ambiente em que, à entrada, havia um objetivo de redução de 37,5% para 2030, e no fim a meta passou para 55%. Apesar das reservas, a indústria adaptou-se. “Calculou-se que só na União Europeia foram 250 mil milhões de euros investidos na eletrificação”, sublinha o responsável da ACAP, acrescentando que a indústria decidiu “ser parte da solução”.

Ninguém duvida que a eletrificação vai acontecer, mas usar um carro elétrico como se fosse um carro convencional não funciona sem infraestrutura adequada. Holger Marquardt, CEO, Mercedes-Benz Portugal

Holger Marquardt defende uma abordagem menos prescritiva: “Ninguém tem dúvidas de que a eletrificação vai acontecer e já temos muito mais veículos elétricos na rua.” E frisou que a regulação excessiva é contraproducente: “Usar um carro elétrico como se fosse um carro “cional não funciona. Precisamos de uma infraestrutura, de pensar também como a nossa rede, os nossos concessionários, os serviços, que são diferentes com os elétricos”.

A indústria europeia está numa encruzilhada: entre regulação exigente, concorrência asiática e a necessidade de tornar a eletrificação economicamente viável e socialmente justa. Como resume Hélder Barata Pedro, está em causa “a soberania tecnológica da Europa”.

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