
Constança Entrudo, fundadora e diretora criativa da marca homónima.
Na “Grande Conferência Negócios do Luxo”, organizada pelo Negócios e pela Must, com o apoio do município de Cascais como anfitrião e do Sheraton Cascais Resort como hospitality partner, a designer Constança Entrudo subiu ao palco para partilhar uma visão provocadora e fundamentada sobre o papel de Portugal na transformação da indústria da moda. Sob o mote “Como a descentralização das grandes capitais pode reposicionar Portugal como referência na criação, inovação e sustentabilidade”, o pitch explorou a ligação entre design autoral, produção local e um novo sentido de comunidade criativa.
Com um percurso ancorado no design têxtil, Constança destacou que o projeto nasceu da vontade de reaproximar os mundos tradicionalmente afastados do design e da indústria. “Comecei a perceber, ao trabalhar na moda de luxo, que muitas vezes estes mundos separados - o das fábricas e o da criatividade - funcionam. E foi a partir dessa vontade de conversa que tudo começou.”
A sua prática distingue-se pela técnica un-woven, em que os tecidos são desenvolvidos fio a fio, muitas vezes a partir de desperdício têxtil - uma abordagem que junta inovação, sustentabilidade e liberdade criativa. “Foi com esta técnica que a minha marca cresceu. Para mim, o luxo sempre foi um processo meticuloso, feito com atenção ao detalhe. Esta técnica desmistifica a ideia de que para ser sustentável temos de sacrificar a estética.”
A designer partilhou ainda a história do vestido mais vendido da marca - e, curiosamente, também da fábrica que o produziu. A peça, desenvolvida durante a pandemia numa fábrica de malha desocupada, foi o resultado de um processo colaborativo próximo e não convencional. Constança consegui sentar-se com a fábrica, desenhar e fazer exatamente o que queria. Foi esse vestido, com a silhueta de uma mulher, que lançou a marca no mercado internacional.
Este exemplo concreto ilustra a sua tese: “A indústria portuguesa vive dos extremos. Produz para grandes marcas internacionais, mas quando é abordada por um designer nacional, muitas vezes tenta simplificar o processo, aplicando os moldes feitos para fora.” Para Constança, é fundamental humanizar o processo de produção, valorizando o contacto direto entre criador e fabricante. É aqui que reside, segundo ela, a chave para a inovação em território nacional: “A base de qualquer ecossistema criativo saudável é esta.”
Na segunda metade do pitch, Constança defendeu que Portugal tem potencial para ser mais do que um centro de produção de excelência: pode também tornar-se referência na criação, na identidade e na inovação estética. Essa mudança exige, no entanto, uma descentralização real do olhar sobre o que é uma capital criativa. Como exemplo, citou o caso da semana da moda de Copenhaga, que deixou de ser vista como periférica graças a uma estratégia comunitária e transversal, envolvendo desde hotéis até ao aeroporto da cidade. “É esse sentido de comunidade que permite elevar o território criativo.”
Constança identificou ainda uma mudança positiva no mercado nacional: “O meu consumidor português está mais aberto a comprar algo português. Muito mais do que os expatriados, que consomem sobretudo lifestyle. Mas o desafio está em fazer com que também valorizem a moda de autor portuguesa.”
O discurso da designer tocou num ponto essencial do luxo contemporâneo: a necessidade de construir marcas com propósito, capazes de unir identidade, inovação e responsabilidade social. A proposta, que junta técnica e emoção, é clara: reposicionar Portugal não só como produtor, mas como criador de futuro.