O debate “Digitalização com propósito”, que decorreu no Millennium Portugal Exportador 2025, reuniu António Fery Antunes, do Millennium bcp, Rui Carreira, CEO da Dierre Ibérica, Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive, Leonor Leal, da Strategy Advisory da PwC Portugal, e Fernando Reino da Costa, CEO e managing partner da Unipartner IT Services. A moderação esteve a cargo de Hugo Neutel, jornalista do Jornal de Negócios. Ao longo do debate, cruzaram-se perspetivas de indústria, consultoria e tecnologia sobre o que distingue a transformação digital da simples “digitalização de papel”.
Isabel Furtado defendeu que, numa “fábrica inteligente”, a digitalização é condição de funcionamento, mas nunca um fim em si mesma. Insistiu na qualidade dos dados como ponto de partida e descreveu o impacto direto na operação, da otimização de processos e prazos às eficiências energéticas. No terreno da inteligência artificial, apresentou exemplos concretos de manutenção preditiva, identificação de causas raiz e redução de desperdícios, sublinhando que a IA permite tratar volumes de dados impossíveis de analisar por via humana e libertar pessoas de tarefas repetitivas para funções de maior valor acrescentado. Referiu ainda a gestão remota de operações em várias geografias e um caso desenvolvido durante a pandemia, em que ferramentas digitais suportaram a implementação de uma unidade industrial à distância.
Num setor mais ligado à construção e à metalurgia, Rui Carreira explicou que a Dierre Ibérica está a dar passos sobretudo nos processos internos, procurando reduzir tarefas manuais e ganhar eficiência. Ainda assim, reconheceu que o mercado está a impor o ritmo, com exigências de digitalização na arquitetura e na disponibilização de produtos em formatos digitais. A mensagem foi direta. Quem não acompanha, “perde o comboio”, tanto a montante como a jusante, nas cadeias de distribuição e na relação com o cliente. Na inteligência artificial, apontou um projeto em desenvolvimento para apoiar revendedores e facilitar a configuração de produtos, reduzindo drasticamente tempo e complexidade.
Da perspetiva da PwC, Leonor Leal enquadrou a maturidade digital como fator crítico para internacionalizar, aumentar eficiência operacional e competir fora de portas. Identificou um avanço mais rápido nas grandes empresas e um ritmo mais lento nas PME, devido a restrições orçamentais, falta de talento e menor maturidade digital. Alertou ainda para um problema recorrente. Muitos projetos falham por falta de alinhamento estratégico e por subvalorização da cultura organizacional, que pode acelerar ou travar a adoção. Defendeu abordagens pragmáticas, com provas de conceito, envolvimento de utilizadores e planos de gestão da mudança, antes de escalar a tecnologia.
Fernando Reino da Costa reforçou a ideia de que a transformação digital é, cada vez mais, uma forma diferente de operar, e não apenas um conjunto de ferramentas. Sublinhou que a acessibilidade tecnológica aumentou com a cloud e que as pequenas empresas, apesar de mais atrasadas, podem avançar mais depressa por serem menos “petroleiros” e mais ágeis. Na comparação internacional, considerou que Portugal está num patamar europeu razoável nas médias e grandes empresas, mas com desafio evidente nas microempresas. Apontou ainda uma prioridade estrutural. Um tecido empresarial nacional mais forte, com mais empresas portuguesas a crescerem e a exportarem, para reter talento e garantir reinvestimento no país.
Do lado do Millennium bcp, António Fery Antunes destacou a dimensão como fator determinante na transformação digital e colocou o foco no “propósito” como critério de qualidade. Defendeu que primeiro é preciso simplificar e só depois digitalizar, e sublinhou o papel da banca em criar serviços digitais que respondam a necessidades reais, sem abdicar da relação humana. Entre exemplos de integração e automatização de processos, ficou a leitura de que a digitalização, quando bem aplicada, reduz fricção, aumenta eficiência e melhora a experiência do cliente, sobretudo num contexto em que a inteligência artificial começa a entrar na agenda das empresas, também enquanto tema de investimento e de financiamento.
No final, o painel convergiu numa ideia simples e exigente. Digitalizar com propósito é transformar com impacto, alinhar tecnologia com estratégia, dados com decisão e inovação com competitividade, especialmente para quem quer exportar e integrar cadeias de valor globais.