"Escrevi um texto em 2008-2009 que tinha que ver com a entrada de Portugal na União Europeia em que houve uma fase, que vista a posteriori, é de completo delírio, demência, em que se destruíram barcos, deitaram-se abaixo árvores, mataram-se animais. Elias Canetti diz que as tribos primitivas só matavam os animais que eram o seu alimento, e deitavam abaixo árvores quando pressentiam que podia chegar o apocalipse. Não há nada de mais absurdo do que matar o alimento, matar a árvore, a matéria direta que me alimenta. Se alguma espécie animal tivesse olhado para nós naqueles anos diria "estes humanos estão completamente loucos", referiu Gonçalo M. Tavares.
O escritor fez uma distinção entre "uma economia de peso". Hoje estamos "a recuperar o peso porque há uma economia com peso, como uma vaca tem peso, uma máquina tem peso", e a "economia do abstrato", " uma Igreja do abstrato, que pensa no abstrato, num papel que passo para ti e digo que vale 15 mil euros".
O porquinho do mealheiro
Para Gonçalo M. Tavares, "há uma economia do peso, que é aldeã no maravilhoso sentido. O porco-mealheiro tinha a ver com isto. No campo, os animais, como um porco, uma vaca, eram uma riqueza, eram dinheiro, nós, os urbanos, trouxemos o campo através do porquinho-mealheiro. Simbolicamente é um animal que representa dinheiro. O que acho interessante hoje é pensar-se nesta economia que tem peso, em que temos uma balança, em que uma vaca pesa, em que uma balança pesa, as pessoas pesam. Esta economia do peso versus a economia do não peso, do digital, é interessante como combinar estas coisas".
Por sua vez Pedro Abrunhosa recorre à parábola dos talentos no Evangelho São Lucas. "Talento em grego significa simultaneamente uma virtude, há quem seja forte, inteligente, belo, bom, o talento é um dom, mas significa também uma moeda e nesse sentido a economia das ideias, do impalpável, do imaterial, já não falo do digital, a economia do imaterial, do bem, a economia do outro, tem peso. Terá o mesmo peso que a economia das máquinas, porque não existem máquinas sem imaterial", afirmou o músico e compositor.
Escritor
Para Gonçalo M. Tavares, "uma economia que não tem peso, no limite, não tem pessoas. Nós hoje temos algumas grandes empresas em termos digitais que têm o mesmo número de trabalhadores que a cafetaria a que vamos no nosso bairro. Há qualquer coisa que quebrou um limite do humano. Se o trabalho tem que ver com o humano, se as ideias têm que ver com o humano, tem de haver humanos. O Obama falou um pouco disso em que temos de pensar em taxar os robôs e os computadores. Mais tarde ou mais cedo vai ter de se pôr essa questão, porque não é possível que quem empregue mais pessoas possa ser penalizado por isso".
Economia digital
Pedro Abrunhosa fez uma reflexão sobre a economia e o consumo digital e à dependência de grandes operadores como o Google, a Amazon, o Facebook, a Apple, que "são absolutos monólitos, são localizadas, têm donos, são buracos negros, não permitem o aparecimento de nova concorrência, são cartéis, e no caso do consumo dos bens culturais, e não só, não há outra forma de o fazer tendo em conta que o físico desapareceu. Segundo uma notícia, um músico recebe um euro por cada 300 pessoas que veem o vídeo no Youtube. A questão é que vídeo gera riqueza, gera publicidade, é alojado em servidores e gera uma série de mais-valias que não são contempladas, portanto, uma nota para essa economia digital que está em franca expansão e aqueles que fornecem conteúdos como é o meu caso e o teu caso são remunerados como serventes".
Músico
Leu o excerto de uma obra de Gonçalo M. Tavares: "Na cidade as infâncias são retangulares, do tamanho do quarto, ninguém sai à rua com menos de 15 anos e sem arma. O Outono já fica melhor nas fotografias quando vista da janela, a natureza perde densidade quando admirada através de um vidro duplo, mas o que protege da bala, protege do vento. Se não saíres de casa o vento torna-se apenas em mais um ficção. Se não existisse natureza as doenças seriam diminutas, disse um dia um médico."
Este foi o ponto de partida de Pedro Abrunhosa sobre o que a "algoritmização do pensamento", e o facto de o músico se algoritmizar para encaixar no padrão dos que vão procurar porque as plataformas privilegiam o que já se conhece. "O pensamento mesmiza-se, mas tu distingues-te pela diferença, as empresas, creio eu, afirmam-se pela diferenciação e pela qualidade. Não faz sentido uma economia numa indústria de restauração especializada na fatia de queijo em que se pode ver a luz à transparência. Mas muitos empresários da restauração acham que vão enriquecer se cortarem no queijo."