António Paraíso destacou que o digital nunca foi um território natural para o luxo e que essa tensão se mantém constante.
Com décadas de observação da indústria e uma visão que cruza história, comportamento do consumidor e estratégia, António Paraíso, consultor e especialista em marketing de luxo, traçou os três grandes desafios de longo prazo que, segundo ele, estão a moldar e a ameaçar a essência do luxo: a revolução digital, a sustentabilidade e a democratização. Esta reflexão incisiva sobre o futuro do setor ocorreu na reta final da “Grande Conferência Negócios do Luxo”, promovida pelo Negócios e pela Must, com o apoio do município de Cascais como anfitrião e do Sheraton Cascais Resort como hospitality partner.
António Paraíso começou por recordar que o luxo sempre esteve ligado ao desejo, à excecionalidade e ao prazer - e não à utilidade. “Há quem compre por puro desejo, outros por prazer, e outros ainda como uma forma de competência social.” Essa lógica mantém-se desde os tempos do Império Romano, passando pelas cortes europeias do Renascimento e de Luís XIV, até ao Iluminismo, altura em que o luxo sai da corte e entra na cidade, carregado de um novo tipo de sofisticação.
Já no século XIX, o luxo torna-se mais simples e começa a acolher influências artísticas. Mas o ponto de viragem surge nos anos 80, quando muitas marcas passam por dificuldades financeiras e começam a democratizar o acesso ao luxo, tornando-o mais acessível às classes médias. Foi aí, alertou o consultor, que começou um processo que hoje exige uma reflexão urgente.
O primeiro grande desafio apontado é o impacto da digitalização. Paraíso sublinhou que o luxo precisa de tempo, de cuidado, de detalhe - tudo aquilo que o digital, por natureza, ameaça. “O luxo nunca foi para todos, nem nunca será. Mas a internet é para todos, e é rápida.”
Depois de um período de resistência, as marcas perceberam que tinham de acompanhar a mudança. Adaptaram-se, investiram em redes sociais e e-commerce, mas o desafio mantém-se: “As tecnologias continuam a evoluir. O digital nunca foi um território natural para o luxo e essa tensão é permanente.”
O segundo desafio referido foi a sustentabilidade, uma exigência que ganhou força no discurso público, mas que, segundo Paraíso, nem sempre tem sido acompanhada por ações reais. “O luxo clássico nunca se preocupou com isto. Hoje, a maioria das marcas faz greenwashing.”
O consultor foi claro ao afirmar que não se trata apenas de agradar consumidores: trata-se de responsabilidade moral. “Não é aceitável continuar a usar matérias-primas raras com desperdício e excesso. É preciso mudar mentalidades.” Essa mudança, acredita, está a justificar o crescimento do segmento do luxo em segunda mão (pre-loved) - mais consciente, menos ostentatório, e mais sintonizado com as preocupações ambientais.
O terceiro e mais preocupante desafio é a democratização - ou melhor, a banalização - do luxo. O século XXI trouxe um crescimento desenfreado do setor, mas com ele vieram também efeitos perversos: logótipos em excesso, produtos de apelo imediato, cores vistosas e mensagens simplificadas.
“As marcas passaram a ser geridas por financeiros. Há uma obsessão pelo crescimento, e isso diluiu o significado simbólico do luxo. O novo dinheiro passou a ser o novo deus.” Para António Paraíso, o resultado é um luxo ruidoso, impaciente, e muitas vezes desprovido de cultura. “Chegámos ao paradigma do luxo banalizado.”
A terminar, deixou um apelo. “É preciso educação e cultura para entender verdadeiramente o luxo. “A palavra luxo está banalizada. Recuperar o seu significado exige mais do que branding, exige profundidade.”