Dois olhares distintos, mas complementares sobre o universo do luxo: por um lado, o pensamento crítico e histórico do filósofo francês Gilles Lipovetsky, por outro, o balanço institucional e a visão estratégica do presidente da Laurel, Jorge Leitão. Uma reflexão profunda sobre o significado do luxo no tempo presente, seguida de um apelo claro ao desenvolvimento das marcas nacionais, foram os últimos momentos da “Grande Conferência Negócios do Luxo ” organizada pelo Negócios e pela Must e que contou com o apoio do município de Cascais como anfitrião e do Sheraton Cascais Resort como hospitality partner.
A conversa entre Mónica Seabra-Mendes, diretora do programa de Gestão de Luxo da Universidade Católica, e Gilles Lipovetsky, um dos mais relevantes pensadores da contemporaneidade, trouxe à conferência uma perspetiva rara: a do filósofo que, desde os anos 80, ousou levar a moda a sério - e foi, por isso, inicialmente marginalizado no seu meio.
“Elogiar a moda na filosofia foi um escândalo”, lembrou. “Na altura, não havia quase fontes. Escrevi sobre moda sem saber se estava a escrever para alguém.” Hoje, a obra de Lipovetsky, especialmente ‘Os Tempos Hipermodernos e O Império do Efémero’, é incontornável para pensar os comportamentos de consumo e o papel do luxo na sociedade atual.
Segundo o filósofo, a moda (e o luxo com ela) representa uma rutura com a tradição: “Todas as instituições da sociedade trabalham para preservar o passado. Só o Ocidente criou algo que valoriza o presente acima de tudo. E a moda é essa máquina do agora, sem nostalgia.” Esta tensão entre o efémero e o simbólico, entre desejo e identidade, está no centro do que Lipovetsky chama de hipermodernidade. Uma era em que o consumo continua, mesmo quando dizemos que queremos consumir menos.
Convidado a refletir sobre o estado atual do mercado de luxo, Lipovetsky foi perentório. “Não acredito no declínio do luxo. Há uma aparente contradição entre o discurso e a prática. As pessoas dizem que vão consumir menos, mas continuam a comprar.” Como exemplo, referiu que, em França, as compras de moda duplicaram nos últimos vinte anos, apesar da retórica do consumo consciente.
O filósofo defendeu que o luxo continua a ter uma força cultural e simbólica muito viva. “Se não fosse assim, só existiria fast fashion.” E sublinhou ainda uma mudança relevante: “Antes o luxo interessava apenas às gerações mais velhas. Hoje, qualquer jovem conhece dez marcas de luxo.” Isso, explicou, resulta da expansão das esferas do luxo, que já não se limitam à alta-costura, joalharia ou automóveis, mas incluem categorias como a beleza, a decoração ou o bem-estar.
De Portugal para a Europa: luxo com identidade
A seguir à reflexão filosófica, coube a Jorge Leitão, presidente da Laurel - Associação Portuguesa de Marcas de Excelência, encerrar formalmente o evento.
A intervenção trouxe uma perspetiva pragmática e ambiciosa: mostrar que Portugal tem lugar no panorama europeu do luxo - e que esse lugar está a ser conquistado com trabalho, criatividade e consistência.
Integrada na ECCIA (European Cultural and Creative Industries Alliance) - que representa mais de 700 marcas de luxo europeias - a Laurel assume-se como a ponte entre o talento nacional e os padrões internacionais. “A ECCIA representa um valor económico que equivale a duas a três vezes o PIB português”, sublinhou. E Portugal já marca presença com cerca de 50 marcas reconhecidas nesta rede.
Fundada em 2019 e formalizada em 2021, a Laurel conta atualmente com 35 marcas no portfólio ativo, e mais de 50 associados. O objetivo é claro: identificar, apoiar e dar escala às marcas portuguesas que se distinguem pelo seu valor cultural, artesanal e estético. “É possível crescer. É possível encontrar marcas com valor. E é possível levá-las mais longe.” ~
Na intervenção final, Diana Ramos, diretora do Negócios, destacou o percurso das três conferências organizadas ao longo de 2025, que abordaram o luxo sob múltiplas perspetivas: do investimento e coesão territorial à inovação, passando pelas novas gerações, o imobiliário e o impacto económico e simbólico das marcas.