As Conferências de Outono são espaços onde “assuntos que têm um carisma mais nacional também encontram acolhimento para reflexão e debate”, como referiu o Presidente da Câmara de Anadia, Jorge Sampaio, na abertura da 4ª edição. Com a sala cheia no Museu do Vinho Bairrada, em Anadia, a internacionalização da economia portuguesa foi o primeiro grande tema do dia, num painel moderado pelo Jornal de Negócios. Miguel Frasquilho, presidente do Conselho Estratégico da FNWAY, que já presidiu à AICEP, sublinhou que, apesar de terem sido feitos “progressos interessantes ao longo da última década e meia”, estes continuam “insuficientes” para garantir o salto que o país precisa de dar.
Miguel Frasquilho traçou depois a cronologia que enquadrou a discussão: em 2000, Portugal estava “no lugar 23, entre os 27 países da União Europeia, com um índice de exportações sobre o PIB de 28%”, um valor “francamente baixo para uma pequena economia que se quer aberta”. Em 2025, a posição melhorou ligeiramente, mas não o suficiente: o país passou para 45,6%, ainda assim “abaixo da média europeia e mais próximo do fundo da tabela do que do topo”.
Política fiscal com pior indicador
A análise continuou com a comparação a 13 economias europeias de dimensão populacional semelhante (entre 5 e 20 milhões). A conclusão foi contundente: “Comparamos mal”. Em 2000 estávamos no 12.º lugar e, passados 25 anos, subimos apenas uma posição. Continuamos atrás da Irlanda, da Bélgica e da Hungria, economias que há muito consolidaram o seu peso internacional.
Miguel Frasquilho destacou ainda várias áreas críticas para melhorar a competitividade nacional: estabilidade legislativa, custos de energia, carga fiscal, práticas ESG e capacidade de atração de investimento. A política fiscal foi apontada como um dos piores indicadores: “as práticas de gestão não são minimamente favoráveis” e o país permanece “muito longe das economias mais competitivas”, como Suíça, Singapura, Dinamarca ou Irlanda.
João Neves, ex-secretário de Estado da Economia, recordou que Portugal é “uma economia pequena, aberta, de capital escasso” e que, por isso mesmo, não pode prescindir de um ambiente regulatório competitivo. Identificou quatro bloqueios persistentes: “a burocracia, a legislação laboral, a fiscalidade, o funcionamento da justiça”, todos apontados como travões ao investimento privado.
O antigo governante trouxe ainda uma reflexão cautelosa sobre a evolução recente das exportações portuguesas. Destacou que as empresas nacionais conseguiram, durante vários anos, ganhar quota de mercado em Espanha, França, Alemanha, Reino Unido e Itália, mercados tradicionalmente estáveis e pouco dinâmicos.
“As nossas exportações cresceram para esses mercados mais do que as próprias economias”, afirmou, considerando este feito “bastante positivo”. Contudo, alertou para uma “profunda desaceleração” desde 2022 e para o facto de setores como a pasta de papel terem registado quedas superiores a 20%. “Não temos tido muitos dados da AICEP”, o que é “um sinalzinho de que as coisas não estão tão simples como no passado”, lembrando que parte significativa do investimento que entra no país continua a ir para o imobiliário e para o turismo, e não para setores produtivos transformadores.
Internacionalização exige velocidade
A manhã encerrou com a intervenção técnica de Carla Leal, vogal da Comissão Diretiva do Compete 2030, que sintetizou as dificuldades do país em articular planeamento, execução e avaliação. Defendeu que Portugal possui “um acervo de avaliação de políticas públicas muito grande nos fundos europeus”, que “não tem sido transposto” para políticas nacionais de competitividade ou internacionalização. Carla Leal desmontou ainda a perceção de que as empresas não recorrem aos instrumentos: “Por cada aviso há 10 vezes mais candidaturas do que o valor”, afirmou.
“Praticamente duplicámos os apoios previstos para a internacionalização”, disse, notando que esses aumentos continuam insuficientes face à pressão competitiva global.
O painel encerrou com uma reflexão transversal: a internacionalização exige velocidade, consistência e estratégia.
O futuro dos fundos europeus
O painel da tarde, “O futuro dos fundos estruturais europeus”, foi moderado por Luís Mira Amaral. A sessão, que contou com a participação de João Mendes Borga, ex-membro da Comissão Diretiva do Compete, Duarte Rodrigues, vice-presidente da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, e José Eduardo Carvalho, presidente da direção da Associação Industrial Portuguesa - Câmara de Comércio e Indústria, abriu com uma leitura crítica do sistema atual de fundos europeus por parte de Mira Amaral. O ex-ministro recordou que a execução não é suficiente quando a “qualidade dos investimentos apoiados” permanece aquém do necessário. Lembrou um estudo de há uma década que concluía serem necessárias “entre 40 e 50 pessoas” adicionais apenas para reforçar as equipas de gestão dos fundos, um reforço que nunca aconteceu, mesmo quando a administração pública teve admissões significativas noutras áreas. No plano europeu, explicou em detalhe como a proposta para o novo quadro financeiro plurianual poderá transformar por completo o sistema tal como os países o conhecem. Destacou três pontos: a pressão orçamental causada pelo contexto geopolítico europeu, a obrigação de financiar os juros do Next Generation EU e a inevitável entrada de novos Estados-membros. A combinação destes fatores, alertou Mira Amaral, pode reduzir de forma significativa o envelope disponível para Portugal. E deixou um aviso: se a UE avançar para um modelo mais “nacionalizado”, em que cada país gere autonomamente o seu envelope, isso representará uma “ameaça à coesão europeia”.
O orçamento não estica
Mira Amaral sublinhou que “o orçamento não estica” e que as prioridades europeias - defesa, energia, autonomia estratégica, digitalização e resiliência - vão absorver grande parte dos recursos disponíveis.
“São cerca de 4 mil milhões de euros que chegam às empresas”, menos de um quinto dos valores globais atribuídos ao país, sublinhou, por sua vez, José Eduardo Carvalho, presidente da direção da Associação Industrial Portuguesa (AIP) - Câmara de Comércio e Indústria. O líder empresarial foi direto: “Os fundos comunitários são para autoconsumo fundamentalmente do Estado”.
O presidente da AIP desmontou depois a perceção de que as empresas falham na execução. “Por cada 10 euros colocados numa empresa, ela tem que investir 60 ou 70”, frisou. Para José Eduardo Carvalho, é incoerente pensar que as empresas não executam quando, na verdade, se expõem muito mais ao risco financeiro do que o próprio Estado. E deixou uma mensagem subjacente: o que falta não é compromisso das empresas, mas sim um melhor desenho dos instrumentos públicos.
João Mendes Borga, com larga experiência em políticas de inovação e ex-membro da Comissão Diretiva do Compete, referiu que o próximo ciclo europeu será profundamente influenciado pela aceleração tecnológica, “curvas de adoção que antes levavam 50 ou 100 anos agora acontecem em menos de 10”.
Falou da inteligência artificial, da robótica, da biotecnologia, dos painéis solares, das baterias, da automação avançada e de como estas tendências vão exigir ao país políticas públicas “mais rápidas, mais flexíveis e mais orientadas para o futuro”.
Ritmo de transformação vai acelerar
Uma das mensagens mais fortes de João Mendes Borga foi sobre a inadequação do uso dos fundos europeus para políticas de banda larga: “Utilizar incentivos financeiros com a carga processual dos fundos europeus para instrumentos de banda larga parece-nos ser um erro”.
O ex-membro da Comissão Diretiva do Compete afirmou que, para grandes políticas transversais, incentivos fiscais seriam mais eficazes, desde que Portugal aceite o risco associado. E alertou que, nos próximos três anos, o ritmo de transformação será tão acelerado que obrigará empresas e Estado a repensar estratégias com muito mais rapidez do que no passado.
Duarte Rodrigues, vice-presidente da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, foi incisivo: “O financiamento vai ser muito menos, essa é a única certeza que temos hoje”. Sublinhou que o país terá de aprender a “fazer escolhas”, distinguindo claramente instrumentos de banda larga de instrumentos de focalização.
Duarte Rodrigues trouxe números históricos para enquadrar a discussão: desde 1989, Portugal recebeu cerca de 152 mil milhões de euros em fundos estruturais, mas apenas 43 mil milhões chegaram às empresas. Reforçou que isso coloca o país perante a necessidade de decidir como quer investir num contexto de restrição crescente. E explicou que o novo quadro tende a privilegiar instrumentos de gestão centralizada - como o novo Fundo Europeu de Competitividade - enquanto a gestão partilhada (como a Coesão e a PAC) enfrentará maior pressão.
O responsável alertou ainda para a necessidade de reforçar o planeamento e a avaliação, lembrando que Portugal “tem um dos acervos de avaliação mais completos da União Europeia”, mas que esse conhecimento tem de ser incorporado de forma mais transversal nas políticas públicas. Defendeu maior articulação regional, mais estabilidade nos modelos de governação e um equilíbrio mais claro entre apoios fiscais e financeiros.
Menos fundos, mais exigência
A sessão terminou com uma convergência rara entre perspetivas políticas, empresariais e técnicas. Desde Mira Amaral a Duarte Rodrigues, passando por José Eduardo Carvalho e João Mendes Borga, a mensagem foi clara: Portugal vai entrar num ciclo em que terá menos dinheiro europeu, mais concorrência por recursos, maior pressão tecnológica e necessidade urgente de políticas públicas mais focalizadas.Os fundos europeus, que durante décadas foram um dos pilares da convergência portuguesa, serão agora um instrumento mais escasso, mais competitivo e sujeito a maior escrutínio. E, segundo os vários intervenientes, o país terá de decidir onde quer apostar, que instrumentos quer privilegiar e como garantir que cada euro investido gera impacto económico real.