“Devemos acabar com aquele discurso de termos que eliminar já e agora os combustíveis fósseis, porque eles ainda fazem parte da mistura energética de que precisamos”, defendeu Ana Silveira, diretora de Relações Externas e Comunicação da Galp. Numa perspetiva pragmática sobre o papel dos combustíveis fósseis na transição, a responsável sublinhou que, apesar do esforço para introduzir renováveis, estas representam apenas 15% do mix energético global, enquanto os combustíveis fósseis mantêm 70%. Estas declarações foram dadas no debate “Roadmap para uma mobilidade mais sustentável”, integrado na conferência de arranque da 4.ª edição do Electric Summit, uma iniciativa do Negócios que conta com o apoio da Galp e da Siemens, a EY como knowledge partner e Oeiras como município anfitrião.
Ana Silveira frisou que mesmo num cenário de neutralidade carbónica a Agência Internacional de Energia prevê que 20% do consumo energético continuará baseado em fontes fósseis até 2050. “A transição é necessária, mas tem de ser uma transição em que não haja umas energias contra as outras. É necessário haver uma adição de novas energias”, explicou. A Galp está a investir 650 milhões de euros em Sines, construindo a maior unidade de produção de hidrogénio verde em curso na Europa, com 100 Megawatts (MW) de capacidade, e uma unidade de biocombustíveis para setores não eletrificáveis, como aviação e transporte pesado. “Quando começámos a construção deste projeto, o maior na Europa tinha 20 MW. Neste momento já há 54 MW em operação”, contextualizou Ana Silveira.
A empresa aposta também na mobilidade elétrica, com 9 mil pontos de carregamento em Portugal, e inaugurou recentemente em Madrid um hub com 116 postos de carregamento rápidos e ultrarrápidos.
Burocracia na rede
Sofia Tenreiro, presidente executiva da Siemens Portugal, abordou as dificuldades enfrentadas pela indústria europeia face à concorrência asiática. A Siemens produz carregadores elétricos em Portugal, com mais de 500 postos instalados no país, mas enfrenta concorrentes chineses com condições subsidiadas e sublinhou que 99% da produção da fábrica portuguesa destina-se à exportação.
A executiva considerou que Portugal e a Europa têm capacidade competitiva, mas precisam de olhar com mais seriedade para os temas da regulação e da inovação, para conseguirem passar para a ação e não ficarem apenas na teoria. A responsável destacou ainda que muitas empresas olham só para o preço, esquecendo aspetos críticos como qualidade, segurança dos equipamentos e armazenamento de dados.
Ambas as executivas identificaram o licenciamento e o acesso à rede como entraves críticos ao desenvolvimento da mobilidade elétrica. “Temos equipamentos instalados há dois anos que não podem ser utilizados devido a bloqueios na rede e no licenciamento”, lamentou Sofia Tenreiro.
Novos modelos
A aposta na inteligência artificial e nos dados surge como elemento diferenciador. Sofia Tenreiro deu como exemplo que “um consumidor com um smart meter em casa vai perceber quais são os equipamentos que estão a gastar mais, com esta informação pode tomar decisões sobre as horas em que vai fazer determinados carregamentos”. A Siemens conseguiu que o seu campus em Alfragide, com 4.800 pessoas, consuma hoje menos energia do que durante a pandemia, quando estava vazio.
Miguel Cardoso, partner e líder da EY Parthenon, propôs uma rutura radical nos modelos de negócio. “A mentalidade não pode ser trocar um carro a gasolina por um elétrico. Os carros estão parados 94% do tempo, temos de romper completamente os modelos de negócio”, argumentou dando exemplos de mobilidade partilhada e até de automóveis voadores que a Embraer testará comercialmente em 2027.
O consultor recordou que há 14 anos trabalhava na Coreia do Sul num projeto que via o automóvel não como veículo, mas como um dispositivo conectado com tecnologia. Como uma espécie de smartphone com rodas. “As pessoas não querem ter coisas, querem usar as coisas”, defendendo que a intermodalidade é essencial para o futuro da mobilidade.
Sobre o ritmo da transição, Miguel Cardoso mostrou-se otimista. “A conclusão é que o futuro é elétrico. O que varia é a velocidade, e cabe-nos acelerar essa transformação”. Reconheceu, contudo, que subsistem barreiras. “As pessoas, os consumidores, ainda estão à espera de que a experiência de utilização seja semelhante à do carro de combustível”.