Fatores externos como os cortes de juros dos bancos centrais têm impulsionado as bolsas, incluindo a portuguesa. Há margem para novos máximos em Lisboa, mas as valorizações podem ser travados por um abrandamento económico ou recuo do “apetite pelo risco”, diz João Queiroz, “head of trading” do Banco Carregosa, em entrevista ao Negócios no âmbito do Jogo da Bolsa, que se inicia hoje e decorre até ao final do mês.
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou o pânico nos mercados financeiros com o Dia da Libertação. Menos de oito meses depois, as bolsas estão próximas de recordes. O que justifica esta reviravolta?
Destaco três relevantes pilares que podem ilustrar a alteração. A Reserva Federal (Fed) retomou cortes (iniciou em setembro e deverá estender até ao verão de 2026), aliviando os encargos de capital e sustentando os atuais prémios que carregam os múltiplos de avaliação relativa. Os resultados empresariais melhores do que o esperado, com revisões em alta e margens a resistirem à “tariff scare”, em que a caótica implementação teve uma execução inferior à anunciada. E a inflação a abrandar face ao receio inicial e indicadores líderes a estabilizar (ainda fracos, mas a menor ritmo). A conjugação de variáveis resultou num “risk-on” com S&P 500, Nasdaq 100 e Dow Jones Industrial Average em máximos.
Ainda há margem para o “rally” continuar?
O mercado opera num cenário base de investimento e de “trading” baseado, essencialmente, em: perspetiva de que existe um “runway” se a Fed cortar sem reacender a inflação e se o “market breadth” continuar a alargar além das “sete magníficas”, ou seja, existir um positivo e benigno efeito de contágio à restante economia. Todavia, os riscos são claros e percetíveis: elevadas avaliações, PMI ambíguos (ISM <50 (traduz recessão), S&P >50) e LEI (os indicadores subjetivos como o Leading Economic Indicators) em zona historicamente fraca ou mesmo débil - um conjunto de perceções que torna os preços dos ativos de riscos e com maior prémio mais sensíveis a picos e fortes aumentos de volatilidade às correções táticas, que têm constituído padrão antes de renovar máximos.
Também a bolsa de Lisboa está em máximos de mais de 15 anos. Até onde poderá ir?
O PSI, tal como a restante Europa, tem beneficiado de cortes de juros do Banco Central Europeu (BCE) e do programa de rearmamento e defesa que representa um enorme envelope financeiro, “beta” bancário/energia e “histórias” idiossincráticas (“re-rating” selectivo). Taticamente, enquanto o contexto externo auxiliar, observa-se espaço para testar novos máximos até à zona dos 8.600 a 9.000 pontos, mas o “tecto”, ou topo, de curto prazo dependerá do ciclo global e das cotações de matérias-primas como o petróleo e a evolução das “yields” soberanas europeias. Um abrandamento macro, ou recuo do “apetite pelo risco” externo tenderá a travar o ritmo de valorização dos ativos nacionais cotados.
Sobre que ativos está mais positivo e pessimista?
Mais positivo e construtivo em ações dos EUA “ex-mega caps” (alargamento de liderança), industriais e materiais (cíclicos que ganham com re-aceleração), “small caps” em fase de cortes (maior sensibilidade aos encargos de financiamento), e crédito “investment grade”, com equilibrada notação de risco de crédito, de curta/média duração (com risco controlado). Maior cautela e vigilância: “long duration”, sobretudo, em contexto de volatilidade de “yields”, imobiliário cotado sensível a “yields” soberanas, e energia se as margens normalizarem. De forma resumida, equilíbrio nas carteiras, com diversificação e gradual rotação das que carregam múltiplos mais elevados e representam a atual acrescida concentração, para os que possuem menores múltiplos.