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Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

O retrato sombrio da ordem comercial global

O atual embaixador da União Europeia na Organização Mundial do Comércio prevê que “vivemos um período de fragmentação antes de entrarmos numa fase de reconstrução e cooperação renovada. É o fim de uma ordem global.”

15:30
Hugo Monteiro
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João Aguiar Machado alerta para a erosão da confiança no comércio mundial e defende que a diversificação é hoje uma necessidade para as empresas.

“Os acordos comerciais eram muito mais do que acesso a mercados e pautas tarifárias. Eram, acima de tudo, expressões de confiança mútua, confiança de que um acordo, uma vez assinado, seria respeitado”, recordou João Aguiar Machado, atual embaixador da União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio, no Millennium Portugal Exportador, organizado pela Fundação AIP e pelo Millennium bcp. E advertiu que “esta confiança se encontra seriamente ameaçada”.

O regresso de Trump à presidência dos Estados Unidos marcou uma viragem radical quando, a 2 de abril de 2025, anunciou aumentos tarifários massivos sobre importações provenientes de praticamente todos os países. Esta ação teve efeitos, com a “tarifa média ponderada das importações para os Estados Unidos a passar de 2,5% no início deste ano para cerca de 17% atualmente, com níveis comparáveis aos anos de 1930”, ilustrou João Aguiar Machado. Para a União Europeia, a tarifa fixou-se em 15% após o acordo de julho em Turnberry, na Escócia, “um acordo do possível, não necessariamente o desejável”.

Apesar da gravidade o embaixador mantém a perspetiva. Revela que “os Estados Unidos apenas representam 14% das importações mundiais de bens. A União Europeia representa 16% e a China, 15%. Além disso, 72% do comércio mundial continua, ainda hoje, a operar ao abrigo das regras da Organização Mundial do Comércio”, disse João Aguiar Machado.

Salientou que as previsões para o crescimento do comércio mundial foram revistas em baixa, caindo em 2025 de 2,7% para 2,4% e, em 2026 de 2,9% para apenas 0,5%. Apesar do contexto, a União Europeia continua a expandir a sua rede comercial. “Atualmente, conta com 44 acordos preferenciais com 76 países, a maior rede de acordos do mundo”, disse João Aguiar Machado.

O elefante na sala. A China

“A rivalidade entre os Estados Unidos e a China está no centro das tensões atuais. É impossível compreender a atual falta de confiança dos Estados Unidos num sistema comercial baseado em regras sem considerar a China”, assinalou João Aguiar Machado.

“A ascensão económica fulgurante da China, o seu modelo económico dirigido pelo Estado, a sobrecapacidade industrial persistente em vários setores, como o aço, veículos elétricos ou painéis solares, tudo isto contrasta com um sistema que foi concebido para economias de mercado”, considerou o diplomata.

A diversificação não é uma estratégia, é uma necessidade, porque depender de um único ou poucos mercados tornou-se demasiado arriscado. João Aguiar Machado, Embaixador da União Europeia na Organização Mundial do Comércio

O embaixador elaborou dois cenários futuros distintos. O primeiro seria “um mundo fragmentado, dividido em blocos concorrentes, com guerras comerciais crescentes, com cadeias de abastecimento fragilizadas, maior inflação, com os países em vias de desenvolvimento excluídos e empresas, incluindo as portuguesas, a operar num ambiente de incerteza permanente”.

O segundo cenário passa por “um sistema comercial reformado que abra mercados, reduza distorções, melhore a transparência e assegure um sistema de resolução de litígios”.

Defendeu um “multilateralismo flexível”, à semelhança do euro ou de Schengen, permitindo “progressos com geometria variável”. O diplomata deixou três conselhos práticos aos empresários. Afirmou que “a diversificação não é uma estratégia, é uma necessidade, porque depender de um único ou poucos mercados tornou-se demasiado arriscado”.

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