É o mundo, estúpido!
O CDS quer distinguir os crimes cometidos por portugueses daqueles que o são por estrangeiros. Será certamente porque os "nossos" bandidos são mais simpáticos. Ou, porque uma coisa é os portugueses matarem-se entre si e outra é que venha alguém de fora fazê-lo. Já o Partido Comunista é contra a OPA sobre a Cimpor porque os compradores são brasileiros, ou seja, estrangeiros. Se no caso do CDS é sabido como à mais pequena oportunidade o pé lhe foge para a xenofobia, já no PCP não deixa de ser curiosa a distinção entre o bom capitalismo, o nacional, e o mau, o outro. Temos aqui dois exemplos, aparentemente em campos opostos, mas nem por isso de como as velhas ideias continuam a ocupar certas cabeças mesmo se nada têm a ver com a realidade.
O conceito de estrangeiro nunca fez qualquer sentido. De conotação militar, serviu sobretudo para as práticas de exclusão, perseguição e massacre. Apesar disso, a história de todos os tempos e de todos os lugares revela um incessante desenrolar de viagens, encontros, misturas e combinações dos que estão e dos que chegam. Não fossem os portugueses estrangeiros de si próprios e não haveria descobrimentos, nem, já agora, à atenção de Jerónimo de Sousa, brasileiros.
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Estrangeiro é um conceito meramente jurídico. Não tem qualquer suporte genético, nem de tipo comportamental, nem mesmo da língua como alguns pretendem à revelia do facto evolutivo. Nós não falamos a língua de Camões. Mas sim a sua adaptação ao tempo e ao desenvolvimento da sociedade. Daqui a alguns séculos o mundo falará uma única língua. É inevitável, tal como sucedeu com a colonização.
Tudo se resume portanto ao registo civil. Ora o mundo está cada vez mais global e o "território civil" vai deixando de constituir um modelo de organização viável. Não só por via da abolição crescente de fronteiras e consequente aglomeração de soberanias. Mas sobretudo porque o imaterial, o não-territorial, o virtual, vai dominando as relações e as vidas. Não por acaso a pergunta mais ouvida nos telemóveis é: onde é que estás? Porque com estas novas tecnologias não estamos em lado algum e estamos ao mesmo tempo em todo o lado. Ou seja, estamos na rede, num espaço dinâmico, sem fronteiras nem estrangeiro.
É claro que o CDS usa o termo como forma de prosseguir a sua campanha suja e criminosa contra pessoas singulares. Numa sociedade mais atenta este tipo de declaração política seria considerada um atentado contra os direitos humanos, pois por mais voltas que se lhe dê, é mesmo de racismo, xenofobia e apelo à violência que se trata.
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Já o PCP é sobretudo patético. Agarrado a velhas ideias do nacional é que é bom, o Partido Comunista não só se contradiz na sua sanha contra o capitalismo, como mostra uma clara incapacidade em agir sobre o mundo contemporâneo. Há muito que o capitalismo não tem pátria. Há muito que os fluxos financeiros são gerados pela oportunidade de negócios e não por uma qualquer ligação de tipo nacional. Do mesmo modo, há muito que a produção industrial se diversificou e globalizou. Hoje, o mesmo par de sapatos é fabricado em quatro ou cinco países diferentes: num concebe-se o design, noutro cria-se o programa de computador, noutro fabricam-se as partes metálicas, noutro monta-se o conjunto e noutro embala-se e faz-se a expedição. Onde fica o estrangeiro no meio disto tudo?
Mas se este discurso nacionalista e anti-estrangeiro é, por um lado, revelador de um profundo arcaísmo político, social e cultural, por outro, ele impede os portugueses, os tais que se pretende proteger, de se fazerem ao mundo. Ou seja, a xenofobia tem como efeito perverso o isolamento e a mesquinhez.
O lugar onde se nasceu é cada vez menos determinante para a realização da vida. Importante é sermos capazes de participar numa perspectiva global. Realizar qualquer coisa, por mais pequena que seja, que possa contribuir para o andamento positivo do mundo. Veja-se a questão ambiental. Faz sentido falar de estrangeiro? Veja-se a economia global. Faz sentido falar de estrangeiro? Veja-se o conhecimento científico, a realização artística, os feitos singulares…
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Já não há estrangeiro. Nós vivemos no mundo e é nele que temos de agir com toda a nossa capacidade, ambição e talento.
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