António Moita 26 de Maio de 2019 às 18:00

O extraordinário negócio das dívidas

Vamos ver se, daqui a algum tempo, em cima do escândalo da destruição dos bancos não iremos ter um outro. O escândalo da salvação dos bancos.

Julgava eu que dívidas era coisa que ninguém queria. Puro engano. Afinal há empresas que se constituem apenas para ficar com as dívidas dos outros. O mundo está em constante mudança. Mas chegamos a um momento em que nos damos conta de que há todo um universo de negócios que vão muito para além da nossa imaginação e, até, da racionalidade económica.

 

PUB

Ninguém desconhece a existência de agentes de execução que se dedicam a tentar apanhar património de devedores, normalmente por ordem judicial. Todos sabemos que também existem outros agentes, informais e mais musculados, que procuram resolver problemas que a justiça pesada e morosa não alcança. E temos agora "estruturas de missão" que, através de gente sem rosto encapsulada em grandes salas cheias de telefones, se dedicam a tornar a infernizar a vida de pequenos devedores de contas de água, telefone, luz, gás ou de qualquer outro produto ou serviço. Normalmente os montantes não muito elevados. O guião das conversas parece sair de um filme de terror sem qualidade e os "atores" são formados para sublimar a agressividade ou, como diz um responsável por estas salas de horror, a assertividade. Os fins justificam todos os meios. E ninguém quer saber de desgraças alheias.

 

A desumanização da relação das grandes empresas com os seus clientes é cada vez maior e provavelmente não terá retorno. O cliente é um número que consta de uma base de dados cada vez com mais informação e menos escrutínio, e todas as estratégias de marketing e de promoção estão baseadas no resultado. Tudo o que correr mal é tratado como dano colateral.

PUB

 

Mas para lá do mundo das bagatelas, as dívidas de quem comprou uma viagem ou um telemóvel acima das suas possibilidades, há um outro, muito maior e ainda menos transparente, que nasce nas carteiras de crédito dos bancos e que, pelo que se vê, floresce e dá origem a negócios milionários com margens absolutamente escandalosas.

 

PUB

Os bancos que deram crédito como se não houvesse amanhã e confiaram em ciclos económicos de crescimento eternos, executaram as garantias dos financiamentos concedidos. Com exceção, evidentemente, de todos aqueles clientes que constam das listas que por aí circulam e que nunca tiveram intenção de devolver o dinheiro que lhes foi emprestado. Mas isso é outro caso.

 

O problema é que, à força de querer sanear os seus balanços, as instituições de crédito constituíram provisões elevadíssimas para os riscos dos incobráveis - muitas vezes com a ajuda dos contribuintes -, cortaram custos, aumentaram preçários e venderam ao desbarato o património que conseguiram ir buscar aos seus clientes a "fundos abutres", usando terminologia bloquista, a preços que ninguém verdadeiramente controlou. Vamos ver se, daqui a algum tempo, em cima do escândalo da destruição dos bancos não iremos ter um outro. O escândalo da salvação dos bancos.   

PUB

 

Jurista

Pub
Pub
Pub