E depois do adeus
O referendo no Reino Unido suscitou, desde a sua convocação, imensa atenção devido aos riscos que continha. Desde logo, pela possibilidade de vir a gerar a saída de um dos mais relevantes Estados da União Europeia.
Apesar de não ser um dos membros da Zona Euro; de ser muito conhecida a sua distância face aos movimentos de maior integração; de ser evidente e cristalino o ceticismo britânico perante a realidade da União Europeia: o Reino Unido é o Reino Unido e a possibilidade da primeira saída de um membro da União Europeia tornou-se uma realidade muito próxima.
Durante décadas essa era uma mera possibilidade teórica. Tão estranha que nem sequer estava prevista de forma expressa nos Tratados. Ainda hoje o seu regime jurídico e forma de procedimento levantam dúvidas. Assim, era uma hipótese que por várias razões sempre foi meramente teórica e que recentemente se foi apresentando como uma possibilidade bastante real. Apesar de nos últimos tempos a esperança num resultado de manutenção ter crescido, o risco estava lá. O resultado do referendo foi claro. Pela primeira vez, um Estado soberano decidiu de forma democrática pela saída.
Assente este facto convém olhar para as suas consequências. Em todo este processo, sempre tive a perceção que o maior risco seria que tudo continuasse na mesma. Infelizmente, os primeiros sinais têm vindo a confirmar as minhas previsões. A generalidade dos dirigentes europeus têm centrado o seu discurso apenas na necessidade de encontrar a forma de a saída do Reino Unido ser muito rápida. Até agora não vi uma alma que apontasse um caminho para a Europa. Está tudo muito preocupado em apresentar um ar carregado e grave, afirmando: "Vamos mas é tratar disto depressa".
Bem sei que a manutenção de um Estado-membro que já não o é se apresenta como insustentável. Mas será que ninguém percebeu que estamos perante um fim de ciclo? Que é altura de tomar opções. Que se não se passa para outra fase tudo terminará. Que é necessário afirmar uma liderança clara. Que a falta de um projeto político está a degradar a União Europeia. Que o Brexit é uma mera consequência de uma decomposição sustentada.
Esta é uma altura de tomar opções. A minha é europeia. Escolho outra Europa bem diferente das outras Europas que por ai têm sido cantadas. O lado europeu tem perdido sistematicamente discurso político quer perante os extremismos mais declarados, como perante os outros que clamam contra a austeridade, que quando praticada à direita é "ideologia" e quando praticada à esquerda é "imposta".
Esta referência é relevante na medida em que relembra a relevância da prosperidade. As sociedades precisam de crescimento económico; este só se faz num clima de confiança; e a direção e estabilidade política é essencial para a conseguir.
Logo, hoje a resposta tem de ser política. Tem de ser imaginativa, flexível e adequada às circunstâncias. É altura de assumir que estas resultam na necessidade de ter uma Europa a duas ou mais velocidades. Uma primeira para todos aqueles que voluntariamente aderiram ao euro, uma segunda à luz do Tratado de Lisboa de um espaço comum de liberdades de circulação.
Uma primeira que se deve federalizar com um Governo e parlamento próprios e regras muitos claras, exequíveis com a flexibilidade necessária. Uma segunda que não exige um compromisso tão marcado, mas dá um direito de escolha e a aplicação de políticas comuns para além da económica, orçamental e monetária.
Esta Europa da nova fase vai exigir lideranças que percebam a sua responsabilidade. A margem de erro é quase nula. A fase dos "pais fundadores" terminou. Nesta nova é preciso fazer agora o que décadas de líderes europeus não fizeram. É a hora de corrigir os erros crassos cometidos, desde logo na instituição da Zona Euro de forma incompleta. Se as novas lideranças não conseguirem ultrapassar os egoísmos nacionais no funcionamento do união económica, da união monetária e da união bancária, o fim estará ao virar da esquina. Ainda tenho uma firme esperança que assim não será.
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