Sr. Código do Trabalho, deixe passar a lei do bom senso!
Só um equilíbrio muito sensato entre todas estas situações permitirá a sobrevivência das empresas e a salvaguarda última dos postos de trabalho. E sem postos de trabalho o tema das férias, das faltas, do teletrabalho, entre outras será só passado.
Especialistas em direito do trabalho têm vindo a ser confrontados, na última semana, com a necessidade de enquadrar as recentes - e mais variadas! - vicissitudes laborais na legislação laboral vigente. Tarefa que, de dia para dia, se revela mais penosa!
O meu sogro, experiente empresário, costuma dizer que não precisa do Código do Trabalho porque na empresa dele reina o bom senso! Passei os últimos quinze anos a tentar convertê-lo ao Código - a acrescer ao bom senso, claro -, mas chegou o momento de ele me converter ao bom senso - a acrescer ao Código, sempre e quando possível...
Uma trabalhadora - vendedora de loja - comunicou ao empregador, na passada quarta-feira, que não vai mais trabalhar porque vive com os pais idosos e "tem medo de os expor". O empregador, furioso, pergunta se estas faltas são injustificadas e se pode despedir a dita trabalhadora quando perfizer as 5 faltas consecutivas? As faltas são injustificadas, é certo, e determinam perda de retribuição. Mas poderá a empresa despedir a trabalhadora? Em situações normais sim, mas não me parece que, neste contexto, haja um comportamento culposo que justifique um despedimento com justa causa. Não se verifica, a meu ver, a tal quebra de confiança, que o legislador exige.
E será que o medo afasta sempre a culpa? Não. O medo não é - nem passa a ser - uma justificação para todas as faltas. Todos temos medo. Mas há bens e serviços que não podem parar e é pressuposto essencial que todas as empresas tenham já implementado as necessárias medidas de contingência para proteção dos seus trabalhadores. Não vai ser o Código do Trabalho a indicar as situações em que o medo pode ser atendível. A análise tem que ser feita caso a caso e apelar - uma vez mais - ao bom senso!
Outra situação: uma empresa quer mandar todos os trabalhadores para casa mas não tem, na situação atual, condições financeiras para comprar computadores ou para suportar os custos com a internet. Tem que o fazer? Segundo o Código do Trabalho sim, tratando-se de teletrabalho. Mas o que assistimos, neste contexto, é um verdadeiro teletrabalho, tal como vem regulado no Código? Não me parece. Tem um ponto em comum, é certo, que é o facto de os trabalhadores prestarem a sua atividade em casa, com recurso a tecnologias de informação e comunicação. Mas, em meu entender, não é possível aplicar o regime tal como o mesmo se encontra regulado. Volta-se a apelar à lei do bom senso. Bom senso que vale, é importante sublinhar, para ambas as partes. Assim, da mesma maneira que a empresa terá que ser flexível no que toca aos tempos de trabalho, aceitando, por exemplo, a dificuldade de um trabalhador prestar a sua normal atividade quando estiver em casa a tomar conta dos seus filhos, o trabalhador também terá que ser compreensivo no que respeita, por exemplo, à necessidade de utilizar os seus bens para garantir o trabalho à distância.
Um último exemplo. Pode a empresa obrigar os trabalhadores a gozar férias durante este período? Poder não pode, salvo se for uma empresa do setor do turismo, se previsto em contratação coletiva, ou noutros casos previstos na lei. Mas, nesta fase inicial de incerteza em relação ao regime concretamente aplicável, não será razoável que uma empresa, sem trabalho, imponha aos mesmos o gozo de, por exemplo, uma semana de férias? É provável que sim! Poder-se-á contra argumentar, como já se tem feito: "mas nestes casos o trabalhador não está em repouso e vai gastar férias!" É certo. Mas também é certo que este ano, mais do que nunca, as empresas vão precisar dos seus trabalhadores (e vice versa!). Não só agora, mas também - e talvez sobretudo! - para se reerguerem. E aí vão precisar de força de trabalho no ativo, não de trabalhadores a gozar 22 dias de férias.
Só um equilíbrio muito sensato entre todas estas situações permitirá a sobrevivência das empresas e a salvaguarda última dos postos de trabalho. E sem postos de trabalho o tema das férias, das faltas, do teletrabalho, entre outras será só passado.
Neste contexto e nos tempos que se avizinham, sou forçada a concluir que será mais útil ao julgador a lei do bom senso do que o Código do Trabalho.
Sócia responsável do Departamento Laboral da Vasconcelos Arruda
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