A evolução dos sistemas de pensões em Portugal – o caso particular da CGA
Outra das principais causas do desequilíbrio financeiro da CGA consiste no cada vez menor número de trabalhadores no ativo face ao número de aposentados. Atualmente existem 0,88 subscritores por cada pensionista da CGA.
A viabilidade dos sistemas de pensões é um dos assuntos na ordem do dia, não só em Portugal mas na generalidade dos países desenvolvidos. Na base da discussão está não só a evolução esperada para os fatores que determinam a viabilidade de sistemas de pensões assentes em modelo de repartição, mas principalmente a dimensão dos encargos assumidos face à capacidade de produção de riqueza das respetivas economias. Este problema agravou-se substancialmente, em Portugal, nos últimos 15 anos.
Desde a entrada no Euro, Portugal assistiu a uma tendência imparável de aumento da despesa pública em percentagem do PIB. Partindo em 1999 de 41%, a despesa pública atingiu os 51% do PIB em 2010. Este aumento é substancialmente explicado pelo crescimento das prestações sociais (sendo que as pensões representam cerca de 2/3 destas prestações), que passaram de 13% em 1999 para 23% em 2013. Num período em que a economia praticamente não cresceu, este aumento da despesa foi, sobretudo, financiado com défice e dívida pública.
Portugal é o 5.º país da UE com maior peso de encargos com pensões no PIB, com 14,8% em 2013, quando a média da UE se situa próximo dos 12%. Face aos quase 15% do PIB que representam os encargos com pensões, as despesas com salários da função pública representam cerca de 11% do PIB, as despesas em investimento e de funcionamento em 2013 representam 3% e 5%, respetivamente. Quer isto dizer que as pensões absorvem mais recursos do que qualquer outra destas rubricas que, para todos os efeitos, asseguram o presente e o futuro das despesas associadas às funções essenciais do Estado.
Mais preocupante ainda é o défice estrutural no financiamento das pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA). Em 2012, as quotas pagas pelos trabalhadores e as contribuições das entidades empregadoras públicas cobriram apenas 41% das despesas com pensões da CGA. Nesse ano, o Estado contribuiu através de transferências diretas do Orçamento do Estado (OE) com mais de 4,4 mil milhões de euros para assegurar o financiamento das pensões da CGA. Estudos atuariais já disponíveis apontam para que o défice do orçamento da CGA atinja 4,1% do PIB em 2025 e que a necessidade de transferências diretas do OE se aproxime, nesse ano, dos 10 mil milhões de euros. Em 2035, a necessidade de transferências diretas do OE para a CGA subirá, ainda, para os 12 mil milhões de euros, se nada for feito para corrigir esta trajetória.
Acresce que, enquanto o peso da despesa com pensões da CGA representa quase 40% do total de pensões pagas em Portugal, o número de pensionistas da CGA não chega a 17% do total de beneficiários. Entre 2000 e 2013, a despesa com pensões da CGA aumentou mais de 150%. E considerando apenas a evolução após 2010, os encargos com pensões da CGA subiram 25%, contra 9% da Segurança Social. Em termos reais, o PIB diminuiu 6,2% entre 2010 e 2013, considerando a estimativa para 2013.
Aquele aumento resultou de três fatores: a evolução do número de beneficiários, o aumento do valor da pensão média e o aumento do período de benefícios.
O número de beneficiários de pensões aumentou de 418 mil em 1999 para 603 mil em 2013. Um crescimento superior a 45% em 15 anos. Só entre 2010 e 2013, o número de pensionistas da CGA aumentou mais de 30 mil.
Entre 1991 e 2012, a pensão média aumentou três vezes e meia, o que representa um aumento de quase 6% ao ano no valor das pensões em pagamento.
Entre 1992 e 2012, assistiu-se a um aumento de quase seis anos (+48%) no número total de anos de pensão para os pensionistas da CGA (passou de 12,2 para 18,1 anos).
São vários os fatores que determinaram o crescimento dos encargos da CGA e sobretudo o seu distanciamento em termos relativos face à Segurança Social. Ao nível das regras de cálculo, as pensões da CGA foram, durante cerca de 25 anos (até 2004), calculadas com base na última remuneração mensal ilíquida do trabalhador, o que fazia com que este recebesse, no momento da aposentação, um valor de pensão superior ao vencimento que tinha no ativo.
Durante cerca de 28 anos (até 2003), os funcionários públicos puderam aposentar-se antecipadamente, sem penalizações, em qualquer idade, com apenas 36 anos de serviço. Durante cerca de 32 anos (até 2005), a idade de aposentação na CGA foi inferior à do regime geral em, pelo menos, 5 anos.
Em relação às contribuições dos trabalhadores, à exceção de três anos, nos últimos 40 anos a quota dos trabalhadores para a CGA foi sempre inferior ou igual à da Segurança Social. A percentagem de desconto dos trabalhadores para a Segurança Social é de 11% desde 1994. Na CGA tal ocorre apenas desde janeiro de 2011.
Em comparação com os trabalhadores no ativo, os atuais pensionistas da CGA descontaram substancialmente menos para o sistema. Em média, durante a carreira contributiva, um pensionista que se aposentou em 1973 descontou 4,73% do seu ordenado para a CGA, e quem se aposenta em 2013 tem uma taxa média de 8,68%.
Outra das principais causas do desequilíbrio financeiro da CGA consiste no cada vez menor número de trabalhadores no ativo face ao número de aposentados. Atualmente existem 0,88 subscritores por cada pensionista da CGA. Ora, mesmo que cada subscritor contribuísse o suficiente para pagar a pensão de um aposentado (o que nunca se verifica), é evidente que o valor apurado seria insuficiente para pagar todas as pensões em abono.
Também não é verdade que as pensões em abono correspondam ao valor dos descontos dos beneficiários. As pensões auferidas são muito superiores às que os pensionistas teriam direito caso apenas se utilizassem os respetivos descontos capitalizados para as pagar. Com pressupostos muito otimistas, não seria sequer possível pagar 50% das pensões que a CGA atualmente paga, caso apenas se contassem os descontos legais feitos a favor do pensionista ao longo da sua carreira.
Diz-se, também recorrentemente, que o regime de repartição está legitimado por um contrato social assente na solidariedade entre gerações: os atuais ativos suportam os encargos com as pensões dos seus pais no pressuposto que um dia os seus filhos façam o mesmo.
Aparentemente, esta lógica não está corretamente interiorizada pelos cidadãos, que contrapõem sistematicamente à perspetiva de redução de benefícios em pagamento o argumento dos direitos adquiridos com os seus descontos. Essa realidade não existe. A verdade, e é preciso enfrentá-la, é que o equilíbrio da repartição de benefícios e sacrifícios entre gerações está comprometido, dada a cada vez menor capacidade económica dos cada vez menos ativos suportarem as cada vez mais numerosas e onerosas pensões.
Secretário de Estado da Administração Pública
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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