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A mentira sem vergonha

Na última terça-feira, o dr. Pedro Passos Coelho, com a desfaçatez que já não surpreende ninguém, afirmou que nunca tinha convidado ninguém a abandonar o País. Disse-o, sorridente, como sorridente estava a seu lado, o falecido autor de "O Eduquês."

O episódio ocorreu na TVI, cada vez mais a minha estação preferida. Quase a seguir, a emissora recuperou as afirmações do senhor, que fizeram história, e desmentiram, agora, o que, de facto, dissera, há dois anos. Além das afirmações, lá estavam, também, as do inigualável Miguel Relvas, no mesmo tom e estilo do patrão, e de um outro qualquer secretário de Estado. Os mentirosos foram desmascarados, mas não titubearam.

A panóplia de mentiras, omissões, torções à verdade mais elementar, de que este primeiro-ministro e os seus são mestres evidentes, tornou-se motivo de devastadoras anedotas. No tempo do fascismo, a aldrabice possuía a cumplicidade da censura e da polícia política, agora, as coisas são "democráticas", e o que constitui um escândalo repugnante nem sequer é referido pela comunicação social. No caso, a TVI, honra lhe seja feita, resgatou a vergonha.

O crisol de mentiras em que se tornou, ao que parece, a pedra d’armas do Executivo, é a limpeza mais difícil para o próximo Governo. Trata-se o problema moral, que não é novo nem de agora. Basta ler, ou reler, as páginas imortais que Eça de Queiroz ou Fialho d’Almeida dedicaram à pouca-vergonha para atentarmos em que este mal parece endémico, e sempre colado à classe política. Não conseguimos viver em democracia, sem que a doença reapareça, viçosa e com novas aplicações?

Foram as trapaças, as aldrabices de alguns falsos republicanos que conduziram à conspiração promotora da ascensão do fascismo. Ontem como hoje, estavam criadas as condições para que as ditaduras tomassem o poder. Basta ler os "Diários", de João Chagas, escritos numa prosa soberba, ou o "Cinco de Outubro", de Jacinto Baptista, ambos honrados homens de bem e republicanos decentíssimos, para nos apercebermos da perfídia, e como ela foi montada.

Este Governo tripudia sobre a verdade com uma desvergonha inaudita. E a mentira generalizada, a perseguição a quem é dissente da pouca-vergonha, ou, simplesmente, quem se atreve a proclamar que o rei vai nu são virais. O "sistema" oculta e recupera qualquer daqueles que tenha prevaricado, e a integridade e a compostura são tomadas como raridades.

MEMÓRIA DA RESISTÊNCIA

Nem a propósito. Acabo de ler (sempre fui, ainda hoje o sou, um leitor entusiasta, de mão diurna e mão nocturna) um livro contra o esquecimento e que nobilita quem o editou, o meu velho e querido amigo José Cruz Santos. "40 Vidas por Abril" é o título, e nele o organizador, por igual meu amigo distinto e afectuoso, reúne as biografias de quarenta dos que deram tudo em favor da liberdade. É uma lição de vida e de combate de homens e de mulheres que participaram no grande movimento cívico, político e ético que se opôs ao fascismo, não como investimento mas sim como apelo de consciência e devoção à liberdade. Eles e elas não foram esquecidos: pertencem ao nosso panteão privado e ao património da nossa honra. Nestes tempos ominosos e tristes, faz-nos bem, faz-nos muito bem percorrer estes percursos singulares, que formam um dos capítulos mais luminosos da nossa vida colectiva. O volume inclui um belo prefácio de Jerónimo de Sousa. 

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