O regime de caixa no IVA
Muito se tem escrito e falado sobre a injustiça para os empresários do atual regime de IVA que obriga à entrega do imposto liquidado aos clientes quando estes ainda não pagaram. Estes clamores fazem-se ouvir periodicamente, aumentando em períodos de recessão como os que vivemos.
Esta semana foi aprovado em Conselho de Ministros um diploma que cria o regime de caixa para o IVA, aplicável às empresas de todos os setores de atividade com volume de negócios até 500 mil euros o que representa, de acordo com o comunicado do Governo, 85 por cento das empresas. Pretende-se que a medida entre em vigor a 1 de outubro do corrente ano.
Em que consiste o IVA?
O imposto sobre o valor acrescentado (IVA) tributa o consumo e vai sendo aplicado ao longo da cadeia de valor acrescentado do circuito produtivo. No final, quem suporta o imposto é o consumidor final.
Um operador económico que não pratique operações isentas de IVA tem sempre o direito, e de um direito se trata, de deduzir o imposto suportado nas aquisições efetuadas no decurso do processo produtivo, apenas entregando nos cofres do Estado a diferença entre o IVA liquidado aos clientes e o IVA suportado nas aquisições.
Esta é a essência do imposto sobre o valor acrescentado a nível comunitário, imposto plurifásico e que se pretende neutro ao longo de toda a cadeia produtiva, sendo liquidado à medida que se acrescenta valor ao produto ou serviço.
A exigibilidade do IVA ocorre nas transmissões de bens ou nas prestações de serviços, em regra, na data da emissão da fatura. Se o prazo para emissão da fatura não for respeitado, o IVA torna-se exigível no momento em que termina esse prazo, ou seja, cinco dias uteis após a colocação dos bens à disposição do adquirente ou após a conclusão do serviço.
Em síntese, a exigibilidade do imposto não está, de um modo geral, relacionada com o pagamento do cliente ao fornecedor.
No IVA, o mecanismo de dedução opera com a receção de uma fatura válida, podendo o operador deduzir o imposto, independentemente do prazo acordado para pagamento ao fornecedor, mesmo que se evolua, posteriormente, para um crédito em mora.
De facto, o mecanismo gizado a nível comunitário para o imposto sobre o valor acrescentado quer-se neutral, não dependente dos movimentos financeiros, de recebimentos e pagamentos, incidindo sobre o valor acrescentado ao longo da cadeia produtiva até ao produto ou serviço final.
Um sujeito passivo de IVA no regime geral acaba sempre por entregar imposto ao Estado. Exceções a esta regra situam-se nas empresas que se encontram em fase de investimento, empresas exportadoras ou empresas que praticam operações, exclusiva ou maioritariamente, isentas.
Em que consistem os regimes de caixa de IVA?
O regime de caixa consiste em só entregar nos cofres do Estado o IVA liquidado quando ocorrer o pagamento das faturas e não com a emissão destas.
Contudo, nos regimes de caixa existentes há o reverso da medalha, ou seja, os destinatários ou adquirentes só podem deduzir o imposto das suas aquisições quando pagarem. É o que acontece com o atual regime de caixa dos transportadores rodoviários de mercadorias que, após grandes exigências por parte dos empresários, se revelou com pouca adesão.
Ora, é neste ponto que temos todos de refletir: Estado, empresários e técnicos, porque, efetivamente, pode ser bom para melhorar a situação financeira e de tesouraria de algumas empresas, mas não o ser para outras.
Parece-nos, efetivamente, que a bondade do regime de caixa em IVA, sendo de exigibilidade e dedução de tesouraria, depende dos prazos médios de pagamento e de recebimento, mas também de questões de concorrência.
Para uma empresa que tenha um prazo médio de recebimentos a 30 dias ou mesmo um retalhista que venda, maioritariamente, a pronto pagamento e tenha um prazo médio de pagamento a 90 dias, o regime de caixa de IVA não se nos afigura assim tão potenciador do crescimento.
Ao invés, uma empresa cujo prazo médio de pagamento seja muito inferior aos prazos médios de recebimento, casos de empresas que trabalham para o Estado, por exemplo, o regime de caixa afigura-se muito favorável.
Se o prazo médio de pagamentos a fornecedores for de 90 dias e for um retalhista, por exemplo, um supermercado, terá em caixa todo o valor faturado desse mês e só pagará aos seus fornecedores no prazo de 90 dias. Será o regime de caixa, neste caso, importante para melhorar a situação financeira e de tesouraria e potenciar o crescimento económico desta empresa?
No regime de caixa, tal como existe, por exemplo, para os transportadores rodoviários de mercadorias, os clientes só podem deduzir quando pagarem, colocando problemas de concorrência, com o risco dos clientes se deslocaram para outros fornecedores que aplicam o regime geral, permitindo-lhes deduzir o imposto, independentemente do pagamento.
O IVA quer-se um imposto neutral e o Estado não pode estar a financiar os operadores económicos permitindo a dedução do imposto ainda não entregue pelo sujeito passivo que o liquidou.
Assim, quando se diz que o regime de caixa para o IVA é uma medida fundamental para a melhoria da situação financeira e de tesouraria das nossas empresas, é-o de facto, mas não para todas, pelo que há que ponderar antes da adesão ao regime. E nem será necessário efetuar muitos cálculos. Bastará determinar com a maior precisão possível, o prazo médio de pagamentos e de recebimentos e as necessidades de tesouraria e ponderar questões de concorrência, ou seja, as reações dos clientes ao eventual diferimento do direito à dedução.
Aguardamos, contudo, os detalhes do diploma agora aprovado em Conselho de Ministros.
Estamos em crer que será mais uma medida que ajudará, em conjugação com outras, a melhorar a situação financeira das nossas empresas. Os critérios de boa gestão, ou seja, efetuar planos aturados de tesouraria, determinar prazos médios de pagamentos e de recebimentos ou calcular as necessidades de tesouraria da empresa são, também, fundamentais para o conseguir.
Artigo redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico
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