João Carlos Barradas 19 de Agosto de 2014 às 20:13

O segundo turno verde-evangélico

Marina Silva surge com uma pessoalíssima e contraditória capacidade de atracção para sectores diametralmente opostos do eleitorado.

 

Saber se Aécio Neves ou Marina Silva passam à segunda volta contra Dilma Rousseff é a incógnita maior na votação de 5 de Outubro e a nenhum dos grandes partidos interessa que a candidata verde-evangélica potencialize as presidenciais para consolidar um bloco alternativo.      

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Marina procurava um veículo para garantir a sua intervenção política a nível nacional na sequência do êxito alcançado nas presidenciais de 2010, mas depois do abandono do "Partido Verde", no ano seguinte, foi incapaz de oficializar uma candidatura presidencial através da sua "Rede Sustentabilidade".

 

Em Outubro do ano passado, Maria aceitou ser vice de Eduardo Campos que, na sua primeira campanha pelo Palácio do Planalto, pretendia projectar-se como terceira via frente ao "Partido dos Trabalhadores" (PT) e o "Partido da Social-Democracia Brasileira" (PSDB). 

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O antigo governador do Pernambuco surgia nas sondagens sobre intenção de voto, abaixo dos 10%, contava com Marina para penetrar no eleitorado contestário urbano, tentado evitar hostilizar os sectores ligados aos sectores agrícolas e às indústrias extractivas.

 

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Afastado de uma segunda volta, Campos estava, contudo, bem encaminhado para ganhar respeitabilidade a nivel nacional e poder negocial.  

 

Antes do desastre de 13 de Agosto, o cenário previsível apontava para uma segunda volta em que Dilma bateria o opositor tucano incapaz de se impor apesar da desaceleração económica e dos reiterados escândalos de corrupção do PT. 

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Alta intensidade                       

 

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A escolha de Marina como candidata presidencial após a morte de Eduardo Campos alterou imediatamente os equilíbrios políticos que caracterizam o quadro partidário desde os anos 90, tornando crível a possibilidade de a antiga ministra do Meio Ambiente de Lula da Silva bater-se contra Dilma.

 

Dois dias imediatamente após o acidente que custou a vida a Campos, um inquérito de "Datafollha" indicava Dilma e Aécio a manterem as intenções de voto  (36% vs. 20%), mas Marina irrompia entre potenciais votantes do nulo ou branco e indecisos, chegando aos 21%.

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Depois do efeito-choque, Marina herda "sustentabilidade ambiental" e "democracia de alta intensidade" como chavões programáticos da aliança com Campos, mas a sua idiossincrasia não lhe garante o pleno empenhamento na campanha de estruturas estaduais do "Partido Socialista Brasileiro" (PSB) mais interessadas em ampliar a influência da organização.

 

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A eventual nomeação para vice de Marina de Beto Albuquerque – eleito pelo Rio Grande do Sul e líder da bancada parlamentar do PSD na Câmara dos Deputados – pouco adiantará às ambições da candidata, visando obviar a uma radicalização da campanha prejudicial ao partido.  

 

Superar os 19% obtidos na primeira volta em 2010 não será fácil dada a fraqueza da máquina partidária ante o PT e PSDB e devido ao limitado tempo de antena gratuito (atribuído em função do número de deputados federais dos partidos apoiantes das candidaturas), mas Marina surge com uma pessoalíssima e contraditória capacidade de atracção para sectores diametralmente opostos do eleitorado.

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A salvação divina

 

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Nas presidenciais de 2010, Marina, convertida ao evangelismo pentecostal da "Assembleia de Deus" em 2004, mobilizou o voto conservador evangélico, tendo, agora, a antiga comunista e militante do PT condições para ampliar ainda mais o seu peso neste sector.

 

Abrangendo presentemente cerca de um quarto da população o protestantismo cresce desde os anos 50, com predominância dos movimentos evangélicos, à custa do tradicional catolicismo, crença nominal de 65% dos brasileiros.   

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As igrejas pentecostais e demais movimentos cristãos carismáticos contam com mais de 20 milhões de crentes – na maioria oriundos de classes de baixos rendimentos e diminutas qualificações profissionais e escolares – e o seu proselitismo tem forte componente política na promoção de valores conservadores assentes no literalismo da interpretação da Bíblia, devoção pela eficácia da oração, fé nos exorcismos e milagres.

 

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Este universo atraído pela crença de Marina aspira também a padrões de consumo além da mera subsistência e não abre mão dos proventos do crescimento económico e políticas de redistribuição mais igualitária iniciados em 1993 com o "Plano Real" de Fernando Henrique Cardoso, prosseguidos com Lula, e que Dilma se esforça por manter.

 

Potencial de protesto       

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O discurso ecologista radical de Marina choca frequentemente com os interesses de populações rurais dependentes do agronegócio e, excepto em situações-limite, indiferentes a práticas de rapina e depredação ambiental o que, paradoxalmente, a torna pouco popular no Norte, onde nasceu.

 

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A candidata é, ainda, a mais bem posicionada para recolher o voto de protesto em alta desde as manifestações de Junho de 2013 e neste segmento congrega apoios entre o eleitorado jovem, de maiores rendimentos e qualificações dos centros urbanos de grande e média dimensões, tal como sucedeu em 2010.     

 

Marina surge em 2014 como a candidata como maior potencial de crescimento eleitoral, precisamente numa altura em que o sistema de patrocínio político-partidário, reestruturado na vaga democratizadora a partir da década de 80, revela cada vez maiores dificuldades em absorver novas reivindicações pela partilha e controlo do poder de decisão administrativo e económico.

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Mística, dogmática, sofrida e obstinada, nada dada a compromissos e negociações, Marina vai à luta por ironia do destino e, ao que a candidata afirma, "providência divina". 

 

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Jornalista

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