Não em nosso nome
O que é que leva um grupo de empresários a fazer greve de fome, queimar caixões na praça pública e insultar políticos? Toda a gente sabe que estão desesperados. Sem negócios, sem dinheiro e sem esperança. Mas será esse o único motivo? Creio bem que não. A angústia destas pessoas, bem como de todas as que as têm apoiado, é não se sentirem representadas por ninguém. Nem pelo Governo, que evita manifestantes avulsos (aqui e em qualquer país); nem pelas associações que os deviam representar. E este é o ponto verdadeiramente esdrúxulo da questão. Em lado nenhum do planeta vi setores profissionais tão distantes dos seus representantes, a tratá-los com tanto desprezo, tanta indiferença. Não vale a pena continuar a ignorar isto: o nosso modelo de parceiros sociais faliu. Já ninguém reconhece aos seus líderes importância, competência, nem sequer legitimidade.
A culpa, sendo justo, é de todos: associações, confederações, ordens e sindicatos. Se alguma coisa aprendemos nestes meses é que praticamente nenhuma destas entidades, tanto do lado patronal como do trabalhador, estava preparada para entrar no mundo dos adultos. A pandemia foi um teste, uma convocatória para a guerra, e nós percebemos que tínhamos um grupo de soldados que só sabia polir botas – vulgo, ir à mesa da concertação social com a cartilha de 1900 e carqueja. Não lhes peçam ideias, coragem ou realismo, porque não têm.
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E se havia altura para mostrar tudo isso era agora. Do lado das empresas, em particular, acabámos de viver uma ocasião única para transformar as associações e as confederações num elo de ligação vital entre a política e o tecido empresarial. Para guiar o governo, para guiar as câmaras, para guiar o próprio país na formulação do famoso plano de recuperação económica. Debalde. Discutiram horas e horas entre eles mesmos para no final apresentarem conclusões que podiam ter sido escritas há 15 meses ou 15 anos. E não estou sozinho nesta avaliação. Procure, se tiver paciência, uma única alma na sociedade civil que tenha elogiado publicamente o seu sindicato, a sua Ordem ou a sua associação profissional e vai ficar estarrecido com o silêncio.
É verdade que este tipo de constatação devia obrigar-nos também a um exercício construtivo, um olhar para dentro. Um esforço para perceber o que ainda pode ser feito para melhorar cada um dos setores. Mas para isso é preciso perceber quem está à frente de cada associação, há quanto tempo, com quem à sua volta, com que estratégia e, finalmente, com que objetivos cumpridos. Em dois minutos percebemos que os parceiros sociais têm uma necessidade de se refundar maior do que a própria economia.
Começa logo pela idade. Habituámo-nos de tal forma a este estado de coisas, que já não nos surpreende ver os mesmos grupos, as mesmas caras e os mesmos discursos, quase desde o 25 de Abril. Alguns sentados na mesma cadeira há mais de cinco anos, outros há mais de 10, outros há mais de 20... Vinte anos a liderar a mesma instituição (!), nas mesmas funções, perante os mesmos interesses. É impossível ser competente.
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Depois o perfil. Continuamos a preencher estes lugares com o perfil do delegado de turma do liceu, a quem entregávamos um mandato para marcar exames e lidar com o professor chato, nem um centímetro a mais, nem um a menos.
E finalmente o currículo. Oscilamos entre os filiados nos partidos, nos sindicatos; os grupos pessoais de interesse de segunda linha, nas Ordens; os representantes das empresas do antigamente, nas associações patronais e nas confederações. Falta sangue novo, mas sobretudo falta a atitude que as próprias empresas têm, ambiciosa e desempoeirada.
Dirão que é injusto, que há exceções. Que há pessoas boas e competentes em organizações que funcionam. Mas quem os conhece sabe que são esses, precisamente, os primeiros a confidenciar este diagnóstico e a reconhecer o estado comatoso.
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E finalmente, chega a parte da nossa responsabilidade, a de todos. Se é verdade que temos o que merecemos, na política e nas leis, não pode ser de outra maneira nos parceiros sociais. Porque a triste verdade, convém não esquecer, é que estas pessoas têm um mandato legal.
Há um problema cultural na origem disto, a famosa participação cívica. Falamos dele sempre que há eleições e a abstenção nos comove, mas a verdade é que se estende a tudo. À comissão de pais, ao condomínio, à assembleia da junta e por aí fora. Não podia ser diferente no mundo do trabalho e das empresas. E este vai-nos sair mais caro.
Concorde-se ou não com greves de fome e manifestações extremas, o que mais nos deve chocar neste momento é ver tanta gente desesperada a lutar sem as armas certas. Não augura nada de bom.
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