Joaquim Aguiar 03 de Março de 2021 às 19:04

A mudança na descontinuidade

Talvez tudo pudesse ficar como está se o golpe da natureza desencadeado por um vírus, com a crise sanitária a abrir uma crise económica de grande intensidade geradora de uma descontinuidade, não viesse denunciar as máscaras dos comediantes.

A FRASE...

 

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"A esquerda é actualmente a mais importante força de estabilidade e de conservação política. Se pudesse, tudo ficava como está."

 

António Barreto, Público, 27 de Fevereiro de 2021

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A ANÁLISE...

 

A união parlamentar da esquerda chegou ao poder em 2015, por intermédio de um governo minoritário do PS, na base do compromisso de recusar o programa de reformas que o triunvirato institucional constituído pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional formulara como condição para Portugal ter acesso a um empréstimo de emergência solicitado por um governo de maioria absoluta do PS. Como é natural, o interesse de quem empresta é que o devedor possa pagar, pelo que esse programa de reformas tinha como objectivos evitar o crescimento do endividamento (anulando os défices orçamentais e reduzindo os encargos com juros inerentes à dívida pública) e tirar a economia do estado de estagnação reconstituindo as condições do crescimento económico através do aumento da competitividade e da atracção de investimento externo que compensasse a insuficiência interna de acumulação de capital e contribuísse para integrar as empresas portuguesas na escala dos mercados europeu e global.

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Ao recusar este programa, a união parlamentar da esquerda e o governo minoritário do PS que tornou possível teriam de provar que conseguiam concretizar esses objectivos sem ter de obedecer às reformas propostas pela troika. Falharam essa demonstração: não houve crescimento económico e o método de gestão orçamental passou a ser uma moeda com duas faces, uma aprovada pela união parlamentar da esquerda, outra executada pelo ministro das Finanças através das cativações.

 

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O resultado desta duplicidade, desta moeda com duas faces, é uma incongruência estratégica porque quem tem o poder político diz o que não faz, mas faz o que não diz - e a sociedade não sabe para onde esse poder político a conduz. Talvez tudo pudesse ficar como está se o golpe da natureza desencadeado por um vírus, com a crise sanitária a abrir uma crise económica de grande intensidade geradora de uma descontinuidade, não viesse denunciar as máscaras dos comediantes. Agora, será mesmo necessário mudar - nas piores condições, com uma drástica compressão do campo de possibilidades e sem condutores estratégicos no poder político, apenas empurrados pela força da mudança das circunstâncias.

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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