Marques Mendes: "falta de visão política vai, a médio prazo, dar cabo do projeto europeu"
As habituais notas da semana de Luís Marques Mendes no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre a covid-19 e as suas consequências, bem como sobre a forma como o Governo tem lidado com a pandemia.
A PANDEMIA PELO MUNDO
- China – Onde tudo começou
- A China começou mal, escondendo a doença
- Depois foi super eficaz a controlar a epidemia
- No meio fica a suspeita de manipulação de números
- Agora quer alargar a sua influência imperial pelo mundo
- Europa – O actual centro da pandemia
- Espanha – O país com mais infetados na Europa
- Itália – O país com mais vítimas mortais no mundo
- Alemanha – O terceiro país mais infetado da UE mas com "poucas" fatalidades
- Reino Unido – O país que inverteu a estratégia para evitar o caos
- EUA – O país com o recorde de infetados
- Trump começou por desvalorizar a doença
- Agora está aflito e dramatizou o problema
- O número de mortes já é 3 vezes superior ao de 11 de Setembro
- A epidemia pode fazer Trump perder as eleições de Novembro
- Brasil – Mau exemplo
- Bolsonaro andou aos ziguezagues como Trump
- Primeiro desvalorizou a doença, depois teve de recuar
- Em guerra com a justiça, os governadores, o próprio Ministro da Saúde
- Os populistas lidam mal com esta crise
- África e América Latina – Duas próximas regiões de risco
- Ainda têm poucos infetados
- Mas são regiões com maus serviços de saúde
- E regiões com grandes bolsas de pobreza
- África tem uma vantagem – população jovem e habituada a epidemias
- Índia – Mil e trezentos milhões de pessoas
- Decretada quarentena de 3 semanas
- Para milhões, o isolamento e o distanciamento significam fome
- O maior bairro de lata da Ásia já tem infetados (Dharavi)
- Um barril de pólvora (previsão de 300 milhões de doentes)
- Rússia – Um caso de política pura
- Putin estendeu o isolamento até fim de Abril
- Aparentemente, poucos casos de doença
- Internamente, acusações de falta de transparência
- Externamente, apoia a Itália para "dividir" a UE (caso da Crimeia)
- Países de Leste – O melhor e o pior
- O melhor – O baixo número de infetados
- Razões – Pouco turismo e cultura securitária
- Pior – A Hungria. Colocou a democracia em quarentena
- Um embaraço para a União Europeia
- Portugal – Tendência positiva
- Longe da tragédia de Espanha e Itália
- Em 8º lugar no número de infetados e vítimas mortais (UE)
- Reduzido número de internados (10%)
- Últimos quatro dias – crescimento de infetados abaixo dos 10%
O ESTADO DE EMERGÊNCIA
- Primeiro apontamento – A renovação do estado de emergência não surpreende. Não se pode baixar a guarda. Estamos numa zona perigosa. Ao mais pequeno descuido o número de infetados dispara. Estas duas semanas são capitais. O que surpreende é a reação de alguns que há 15 dias achavam desnecessário o estado de emergência. Agora, 15 dias depois, não só o acham necessário como até o quiseram reforçar. O que prova que as pessoas inteligentes mudam de opinião.
- Segundo apontamento – As novas medidas entretanto tomadas são compreensíveis. Há uma, porém, que o Governo deve explicar melhor: a libertação de cerca de 1200 presos. Por mim, até compreendo a decisão. Alguma coisa tinha de ser feita nas prisões. Mas atenção: é preciso explicar melhor para evitar três problemas: alarme social; populismos políticos; e a eventual revolta por parte dos presos não beneficiados.
- Terceiro apontamento – Quando se sairá deste isolamento? Em boa verdade ninguém sabe. Vai depender da evolução das próximas semanas. Mas há três coisas muito prováveis:
- Primeiro: se tudo correr bem, nas próximas semanas, Maio será o mês do progressivo regresso à normalidade;
- Segundo: este regresso há de ser muito lento e gradual, para não provocar uma recaída;
- Terceiro: habituemo-nos a que, durante um ano ou ano e meio, até haver uma vacina, vamos ter de manter as condições de distanciamento social: evitar cumprimentos, evitar aglomerados de pessoas, garantir distância uns dos outros, eventualmente recorrer ao uso de máscaras.
COVID 19 – A ECONOMIA
No domínio da saúde pública, o Governo tem estado bem. Já no domínio económico e social acho que tem tido falhas sérias. Alguns exemplos:
- Linhas de crédito – A solução é bem intencionada mas não vai resultar. Depois desta crise, as empresas vão ficar com menos negócio e mais endividadas. Isto não é sustentável. O Governo deveria seguir outro caminho: admitir que uma parte dos empréstimos concedidos com garantia do Estado se transformarão em apoio a fundo perdido, desde que verificadas duas condições: as empresas não reduzirem postos de trabalho e não distribuírem lucros durante alguns anos. É melhor o fundo perdido para salvar postos de trabalho do que o fundo perdido para pagar subsídios de desemprego.
- Micro e pequenas empresas - Há cerca de 10% a 15% de micro e pequenas empresas que não conseguem aceder às linhas de crédito. São PME que têm créditos vencidos há mais de 90 dias; ou que têm créditos recentemente reestruturados (NPE). Nestes casos, os bancos não podem conceder crédito. Pergunta-se: é justo deixar estas empresas ao abandono? E lançar no desemprego milhares de pessoas?
- Para este núcleo de empresas, o Governo devia criar uma linha de crédito diferente, com garantia de 100% do capital, em que a viabilidade das empresas seria atestada por uma entidade pública (o IAPMEI, por exemplo). Assim já os bancos poderiam emprestar.
- Moratórias – O Governo aprovou moratórias para os créditos à habitação e para os créditos das empresas. Muito bem. Mas por que razão não aprovou também moratórias para os créditos ao consumo? Será justo que quem pediu dinheiro emprestado para comprar um carro ou para pagar o estudo dos seus filhos não tenha direito também a um adiamento no pagamento do seu empréstimo? Isto pesa muito nas famílias. E ao Estado custa ZERO.
- Prazo de moratórias – O Governo aprovou que o prazo das moratórias é de 6 meses. Mas na generalidade dos países da Europa onde se fez o mesmo, o prazo das moratórias é, em regra, de um ano. Por que é que em Portugal não se segue a mesma regra dos 12 meses? Dava mais flexibilidade às pessoas. E ao Governo custa ZERO.
- Dívidas a fornecedores – Os bancos e as grandes empresas estão a pagar mais cedo aos seus fornecedores. Por que é que o Estado não faz o mesmo? Devia ser o primeiro a dar o exemplo.
- Finalmente, uma informação positiva: segundo informação da banca, da primeira linha de crédito criada (a de 400 milhões) há já 150 milhões de pedidos de empréstimos aprovados. E entre o pedido de empréstimo e a chegada do dinheiro às empresas o tempo estimado é de 7 a 10 dias.
GOVERNO DE SALVAÇÃO NACIONAL?
- Rui Rio disse há dias que o país vai precisar de um governo de salvação nacional. Mas que governo é esse? Ninguém sabe. Eu só conheço governos minoritários, de coligação ou de maioria absoluta de um só partido. Tudo o resto são slogans ou soundbytes.
- Uma coisa é certa: daqui a alguns meses há de haver muita gente a pedir um Governo de Bloco Central, identificando-o como de salvação nacional. Não acredito que avance. Não é uma boa solução para o país:
- Primeiro – É uma solução que suscita enormes divergências no PS e no PSD. Logo, seria uma solução instável. Levaria para dentro do Governo o gérmen da divisão partidária.
- Segundo – É uma solução perigosa para a democracia. Com os dois partidos mais ao centro juntos no governo, os extremos, à direita e à esquerda, sobem exponencialmente de votação. O Chega pode ascender aos 10% ou mais. O BE aos 15% ou mais. Um cenário muito perigoso.
- Terceiro – É uma solução que mata a ideia de alternativa. Se os dois partidos com vocação de governo estão juntos no poder, pergunta-se: quando o povo se cansar desse governo, onde está a alternativa? Não está. Ou então está no radicalismo dos extremos. Mau para a democracia.
- Em conclusão: para vencer a crise económica, PS e PSD vão ter de aproximar posições para aprovar orçamentos. Isso é do interesse nacional. Mas não precisam de estar juntos no governo. Isso enfraquece a democracia.
REUNIÃO DO EUROGRUPO
- Reunião do Eurogrupo na próxima 3º feira. O mais provável é suceder uma de duas coisas: ou não haverá qualquer decisão ou haverá decisões que não passarão de paliativos – aspirinas para uma doença que precisa de antibióticos de largo espectro. Uma solução europeia e estrutural para a crise está por agora afastada.
- Os dirigentes europeus não percebem algo de essencial: a sua falta de visão política vai, a médio prazo, dar cabo do projecto europeu. Para já estão todos em alta nas sondagens: está Macron, está Merkel, está Conte, está Trump, está Costa. Até Boris Johnson, depois de ter mudado de estratégia.
- O problema é quando acabar a crise da saúde e estivermos no pleno da crise económica. Aí vão todos cair como tordos nas sondagens e nas eleições.
- E no caso da UE há de então vir ainda mais ao de cima o pior – o populismo. Quando em próximas eleições, país a país, os populistas aumentarem o seu peso na Europa, talvez nessa altura os actuais dirigentes europeus percebam o que é ter vistas curtas e dar cabo do projecto europeu. Receio é que já seja tarde.
- Entretanto, a Presidente da CE pediu desculpa à Itália pela falta de solidariedade europeia. E o Ministro das Finanças da Holanda fez uma correção às suas declarações "repugnantes". É caso para dizer: nem tudo está perdido. Ainda há uma réstia de esperança!!
NOTAS FINAIS
- Saudação ao General Eanes – Entrevista inspiradora e corajosa
- Saudação à FEUP e ao CEIIA (Matosinhos) – Ventiladores nacionais
- Saudação à FLAD – Doação de 350 mil euros ao Banco Alimentar
- Saudação ao Governo Regional da Madeira – Medidas inovadoras para garantir emprego
- Apelo ao Governo – Sócios-gerentes das PME
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