"Putin perante a fraqueza avança e abusa"
A situação na Ucrânia e os seus efeitos para Portugal dominam as notas habituais de Marques Mendes no seu espaço de comentário na SIC.
A GUERRA NA UCRÂNIA
- Oficialmente não é a Europa que está em guerra. Na prática é todo o espírito europeu que está em causa. Se a Ucrânia perder esta guerra é também a Europa e o Ocidente que perdem. Putin pôs em causa valores essenciais. Primeiro, o direito elementar de um País à sua independência e soberania; depois, os valores da paz, da liberdade e da democracia; terceiro, os seus objetivos são intoleráveis: a ideia de transformar um País independente numa Região da Rússia; a tentação imperial de recriar uma nova União Soviética.
- Para além disso, Putin mentiu ao mundo. Negou sempre um ataque bélico. A verdade, porém, é que tudo foi premeditado. A prova maior é que Putin se preparou com antecedência para as sanções económicas. Vejamos:
- Primeiro, Putin reforçou brutalmente as reservas russas em moeda estrangeira e em ouro, a ponto de em Janeiro deste ano eles terem atingido o valor record de 630 mil milhões de dólares. O dobro das reservas da UE. Tudo para defender o rublo.
- Segundo, a Rússia reduziu substancialmente a exposição ao dólar norte-americano. Há 5 anos, 40% das reservas russas eram em dólares. Hoje são apenas 16%.
- Putin não tem perdão. Mas teve, no passado, a "complacência" do Ocidente:
- Invasão da Geórgia em 2008. O Ocidente reagiu mas foi frouxo. Putin ganhou. Anexação da Crimeia em 2018. O Ocidente voltou a ser pífio na reação. Putin voltou a ganhar.
- O que se passa agora provavelmente só é possível porque no passado o Ocidente foi fraco na reação. Putin é daqueles políticos que só percebem a linguagem da firmeza. Perante a fraqueza avança e abusa.
- Como agora se vê, novamente. Putin avançou agora porque voltou a sentir o Ocidente frágil: Biden fragilizado com o Afeganistão e a política interna; o RU fragilizado com o Brexit e os problemas domésticos; a UE parada entra as eleições alemãs e francesas.
UMA LUTA DESIGUAL
- No imediato, a Ucrânia está entregue à sua sorte. Depende sobretudo de si própria. O que torna esta luta terrivelmente desigual:
- Desigual no plano militar: a Rússia tem forças que são incomensuravelmente superiores às da Ucrânia. É David contra Golias.
- Desigual no plano da ajuda militar. A NATO e a ONU, enquanto tal, não podem intervir. Mas cada País individualmente pode dar ajuda militar. Todavia, os apoios são reduzidos. A boa excepção é a Alemanha.
- Desigual no plano das sanções: as sanções económicas são importantes. Mas uma parte elas demoram tempo a ter resultados. Serão eficazes no médio prazo. Menos eficazes no imediato.
- Desigual em termos de opinião pública. Numa democracia, os cidadãos indignados manifestam-se. É o que se passa e bem na Europa. Numa ditadura como a da Rússia são presos. É o que temos visto.
- Porém, apesar da sua superioridade bélica, Putin já cometeu, pelo menos, quatro erros graves:
- Desvalorizou a unidade europeia na resposta a esta guerra. Pensou que a UE se dividiria nas sanções. A UE uniu-se.
- Desvalorizou a resistência ucraniana. Pensou numa guerra rápida ou na rendição do regime. O certo é que os ucranianos resistem, Zelenskii surpreende pela coragem e os Ucranianos Russófonos não apoiam Putin.
- Sobrevalorizou os seus apoios políticos e militares. A verdade, porém, é que a China se absteve nas Nações Unidas (não votou com a Rússia) e o Cazaquistão recusou apoio militar.
- Menosprezou o peso da opinião pública. O problema é que a indignação popular acaba por ter repercussão na Rússia e desgasta o regime. Veja-se o caso de várias seleções de futebol que recusam jogar com a Rússia!
SANÇÕES ECONÓMICAS: HAVIA ALTERNATIVA?
- Muitos legitimamente perguntam-se se não havia alternativa mais eficaz às sanções económicas. Se não havia outra forma de parar Putin. A verdade é que não: primeiro, a NATO não pode intervir militarmente porque a Ucrânia não é membro da NATO; segundo, não pode haver uma força de intervenção internacional da ONU, porque a Rússia tem direito de veto na ONU; terceiro, uma intervenção militar, à margem das regras internacionais, corria o risco de despoletar uma terceira guerra mundial e um conflito nuclear.
- Posto isto, há que dizer: em matéria de sanções económicas, o Ocidente não começou bem mas já acertou o passo:
- Não começou bem. Teve muita hesitação. Em poucos dias já tivemos três "pacotes" de sanções. Isto dá uma ideia de hesitação, sobretudo para quem dizia há mês e meio que tinha tudo previsto.
- Só que o peso das manifestações populares em vários Países fez com que muitos lideres europeus mudassem. Foi o caso da Alemanha.
- Assim, a UE já emendou o passo, porque as últimas sanções – sobretudo a retirada de bancos russos do sistema SWIFT – são realmente duras e vão diretas ao que realmente "dói". Aos oligarcas e à banca russa.
- A economia é a questão nuclear. As fragilidades de Putin estão na economia. A Rússia é um gigante militar mas tem uma economia decadente.
- O PIB nominal russo é 13 vezes inferior ao dos EUA e 10 vezes inferior ao da China.
- O PIB per capita russo é muito baixo: inferior ao de Espanha, de Portugal, da Letónia ou da Estónia. Duas vezes inferior ao de Portugal.
CIMEIRA UCRÂNIA/RÚSSIA: PARA LEVAR A SÉRIO?
- Houve hoje duas notícias relevantes: a Rússia anunciou que pôs forças de dissuasão nuclear em alerta; Ucrânia e Rússia vão encontrar-se, em princípio, amanhã numa cimeira de negociações. Isto suscita duas reflexões:
- Primeira: a Rússia está em perda. Até pode ganhar esta guerra mas, para já, está a perdê-la. A intenção era a de já hoje ter tomado Kiev e ter nomeado um governo fantoche na Ucrânia. Nada disso aconteceu nem se sabe se e quando pode acontecer. E tem tido mais baixas do que se pensava.
- Segundo: a Rússia está a fazer pressão e intimidação – a fazer pressão sobre os EUA/UE; e a tentar intimidar a Ucrânia.
- Pressão sobre o Ocidente, para tentar evitar mais sanções. É que as sanções doem economicamente e humilham Putin politicamente;
- Tentativa de intimidação sobre a Ucrânia, para que os ucranianos sejam menos firmes e mais complacentes nas negociações de amanhã.
- Quanto à cimeira Ucrânia/Rússia de amanhã, caso exista, é tudo muito incerto: tanto pode ser uma conversa de surdos como o início de algo construtivo.
- É melhor não ter altas expectativas. Na fase extremada em que as coisas estão, os dois presidentes têm muita dificuldade em acordar algo de relevante sem perderem a face.
O GÁS DA RÚSSIA
- Esta guerra não surgiu por causa do gás da Rússia. Mas o gás russo é uma espécie de cavalo de Troia. Inibe a UE de ser mais firme e rápida a decidir.
- Primeiro, porque a União Europeia está excessivamente dependente do gás da Rússia. É uma dependência assustadora. Se a Rússia corta o fornecimento de gás à Europa, leva um "rombo" nas suas receitas, é verdade; mas gera o pânico em muitas sociedades europeias;
- Segundo, porque nos últimos anos, em vez de diversificarem os seus fornecedores de energia, a Alemanha e outros países europeus agravaram esta dependência. O novo gasoduto Nord Stream 2 é a prova provada dessa irresponsabilidade estratégica. Decidida por um ex-chanceler Alemão que, a seguir, foi trabalhar para os russos. Irresponsabilidade e promiscuidade.
- Vejamos a realidade, na Europa Central e, por contraste, em Portugal:
- A Eslováquia e a Estónia dependem a 100% do gás russo; a Polónia e a Alemanha a 50%; a Itália, a Lituânia e a Grécia a 40%; a Holanda a 25%.
- Se a Europa depende excessivamente da Rússia, o caso de Portugal é diferente: compramos sobretudo á Nigéria e aos EUA e só 10% à Rússia.
- Dentro em breve, pode surgir uma novidade importante para a Europa e para Portugal. A CE está a preparar uma comunicação no sentido de incentivar as interconexões entre a Península Ibérica e França para levar gás até à Europa Central vindo de outros países que não a Rússia. Até agora estas interconexões estão bloqueadas pela França mas esse bloqueio está em vias de ser levantado.
- Boa notícia para a UE. É diversificar o fornecimento de energia.
- Boa notícia para Portugal. Isto significa dar maior importância ao Porto de Sines, que teria um investimento para reforçar a sua capacidade de armazenamento; e fazer aumentar as nossas exportações de energia.
CONSEQUÊNCIAS NA UE E EM PORTUGAL
- Toda a economia europeia vai sofrer sérias consequências. A dimensão destas consequências é que é ainda incerta: falta saber a duração da guerra; eventuais cortes de abastecimento; a subida dos preços; o aumento da inflação; a potencial mudança da política monetária do BCE. Uma guerra sabe-se como começa. Nunca se sabe quando e como acaba.
- Em Portugal, há sobretudo três planos a considerar:
- Plano energético: não haverá cortes no abastecimento energético. Não dependemos, como outros países europeus, do gás russo.
- Plano económico: a recuperação económica em curso pode abrandar; vai haver uma subida generalizada dos preços: prioritariamente no custo da energia, nos transportes e nos bens alimentares; se houver subida das taxas de juro, a situação agravar-se-á um pouco mais.
- Plano orçamental: vai haver uma revisão do quadro macroeconómico do OE para 2022. Teremos certamente um crescimento mais moderado do PIB, em consequência sobretudo do abrandamento no crescimento das exportações. Mas Portugal tem nestes momentos duas folgas: primeiro, o défice de 2021 vai ficar entre 2,9% ou 3% do PIB; depois, as despesas com a pandemia vão baixar – só nos últimos dois anos os apoios sociais ascenderam a 7 mil milhões de euros. Em 2022, será diferente.
- No plano político, há um consenso político alargado. A única grande exceção é o PCP, que tem uma posição inacreditável.
- Recusa-se a perceber que há um único agressor nesta guerra e que esse agressor deve ser severamente punido;
- Continua, pelo menos indiretamente, a dar cobertura política a um regime corrupto, oligárquico, que persegue os seus opositores e que na sua TV oficial apresenta esta guerra como um caso militar de rotina.
Mais lidas