Se tudo muda…
Ninguém se pode surpreender com a visita de Alexis Tsipras a Vladimir Putin. Podemos sentir-nos algo chocados, mas não foi surpresa.
O mundo está todo em mudança e aqueles que na União Europeia continuam a pensar que o mundo não mudou, estão completamente enganados. A Europa, independentemente da União, tem uma antiguidade que lhe faz pensar que as mudanças são algo de indesejável. O que até é algo paradoxal, porque já passou por muitas. Só que o continente do "Welfare State" aprecia, sobremaneira, o bem-estar. E a acalmia de "détente" que se seguiu à Guerra Fria pode ter criado, em alguns espíritos, a ilusão de que as coisas tinham mudado para uma paz duradora.
Infelizmente, o mundo não é assim. Relembro-me de um seminário onde estive na Universidade de Georgetown, para "world leadership", em 1987, em que ouvi vários conferencistas, nomeadamente do Pentágono, dizerem para o grupo restrito de "jovens líderes" que ali estavam, que a União Soviética, ou o que lhe viesse a suceder, iria passar a ser aliada dos Estados Unidos e que, talvez, a China se tornasse no seu principal rival ou, mesmo, inimigo. Lembro-me que ao ouvir aquelas previsões, pensei que tínhamos ido parar a uma organização onde estava tudo a voar sobre um "ninho de cucos". Era presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, e líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev. Pouco tempo mais tarde, foi a célebre cimeira de Reiquiavique entre os dois e tinham-se passado anos de grande polémica, com a instalação dos mísseis Pershing II na Europa Ocidental, apontados para o lado de lá do Muro de Berlim. Só que passaram poucos anos, caiu o Muro de Berlim, em 1989, o Império Soviético soçobrou e a "Mãe" Rússia começou a ser cada vez mais próxima do país do "Tio Sam". O que parecia impossível anos atrás, estava mesmo a acontecer. Entretanto, com a China, começava a crescer, cada vez mais, a rivalidade económica e comercial, que pode ser sempre fonte de outras confrontações.
Na verdade, aquilo que parece estático ou eterno, numa fase da vida dos povos em que tudo está calmo, não é mais do que uma ilusão ou, pelo menos, algo transitório. O tal mundo que é feito de mudança não tem só paz, tem paz e guerra. E, neste momento, o mundo está todo em mudança. O que se passa no Médio Oriente é bem prova disso.
O acordo nuclear entre potências ocidentais, a própria UE, e o Irão é bem a prova de como as coisas estão em profunda e enorme alteração. Há dez anos, os Estados Unidos e alguns dos seus aliados estavam em território do Iraque, sempre em alerta contra o inimigo iraniano. Hoje em dia, Estados Unidos e Irão aproximaram-se, Israel está afastado e em oposição ao acordo, exigindo pelo menos que o Irão reconheça o Estado de Israel a existir. A Arábia Saudita manifesta-se distante e preocupada com esse acordo e toda a relação de forças e política de alianças dos países ocidentais no Médio Oriente estão também elas em polvorosa. Assim sendo, a União Europeia não deve estranhar que as mudanças do mundo também cheguem aos seus territórios e, deste modo, os 50 a 60 por cento de probabilidades que se vão atribuindo à hipótese de saída da Grécia da Zona Euro só correm o risco de aumentar.
A questão está em saber onde está, na União Europeia, a dinâmica política para estar à altura de responder a todos estes desafios da profunda mutação, que atinge a realidade geoestratégica à escala mundial. Na prática, a resposta do Ocidente tem de vir de uns Estados Unidos, que entram agora numa fase em que o presidente em funções já tem à sua volta as primárias para escolha do seu sucessor, ou, então, de uma entidade de natureza ainda indefinida na sua política externa, por isso mesmo, ainda limitada, como é a União Europeia. E a juntar a tudo isto, temos uma ONU estranhamente distante e, incompreensivelmente, ausente de um papel de liderança ou, pelo menos, de co-liderança na resposta a estas realidades.
Advogado
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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