Menos candidaturas ao ensino superior: só o processo? Ou também a demografia?
O número de candidaturas ao ensino superior caiu de forma significativa no concurso nacional de 2025/2026. Segundo dados provisórios da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), até ao dia 4 de agosto tinham sido submetidas apenas 47.796 candidaturas — um número bem abaixo das 58.641 registadas no mesmo período do ano passado. Mesmo no último dia de candidaturas em 2024, o total era já substancialmente mais alto: 56.170. Isto representa uma diferença de 8.374 face a este ano. Trata-se, portanto, de uma quebra expressiva que deve ser lida com mais atenção do que o habitual ruído gerado em torno de alterações de regras ou ajustamentos nos processos de candidatura.
É certo que as alterações introduzidas este ano — desde o novo modelo de cálculo da média final até às mudanças nos exames considerados válidos — podem ter introduzido incerteza e levado alguns estudantes a adiar a candidatura para a segunda fase. No entanto, esse tipo de explicação, embora relevante, não é suficiente para explicar uma quebra tão pronunciada. A questão pode ser mais estrutural. E mais preocupante. Será que o sinal de inversão começou?
PUB
Portugal está a viver, em tempo real, as consequências de um envelhecimento demográfico profundo. O país perdeu dimensão populacional jovem de forma progressiva nas últimas décadas. O número de nascimentos tem vindo a diminuir de forma consistente desde os anos 80, e isso está agora a refletir-se na base da pirâmide etária: há cada vez menos jovens a chegar à idade de acesso ao ensino superior. É simples. Não se trata apenas de menos estudantes a candidatar-se — trata-se de haver efetivamente menos candidatos potenciais no sistema. E isso, por si só, terá efeitos duradouros e cumulativos. A menos que os migrantes os venham a substituir, parece evidente que mais tarde ou mais cedo esta realidade se verifique.
A quebra não ocorre por falta de oferta: em 2025, o sistema público abriu mais vagas do que no ano anterior — 55.956, mais 643 que em 2024 — abrangendo mais de 1.100 cursos e 34 instituições. Portanto, o problema não é a escassez de lugares, mas a escassez de alunos. E este fenómeno tenderá a agravar-se, com impactos diretos na sustentabilidade do sistema de ensino superior, na planificação das instituições, e até, na coesão territorial, já que muitas escolas fora dos grandes centros poderão enfrentar dificuldades acrescidas para preencher as suas turmas e cursos.
Este é, pois, um alerta silencioso, mas claro. O sistema precisa de se adaptar. E adaptar não significa apenas rever regras ou reformular calendários. Significa repensar a missão do ensino superior num país com menos jovens. Significa pensar em novos públicos, em estratégias de internacionalização mais agressivas, em modelos de requalificação contínua para adultos, onde entra a formação de executivos, e em articulações mais estreitas com o tecido económico.
PUB
Estamos perante um desafio que vai muito além da conjuntura. É um sinal da transformação, quero crer que profunda, do país. E exige uma resposta estratégica, não apenas técnica. A demografia não espera. Ou iremos continuar apenas a acreditar na mudança de processo e nas formas de calcular médias?
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda