A questão do poder
Não sei se a proposta do PSD de revisão Constitucional, ainda não totalmente conhecida, mas já revelada em partes fundamentais, é extemporânea, desadequada, imprópria ou surpreendente.
É a Direita, no seu esplendor mais agressivo. Disso tenho a certeza. Com os equívocos que a Direita costuma alimentar. Até agora, seis vezes houve alterações à nossa Carta Magna. De todas as vezes, o PS, na sua trivial realidade, esteve de acordo com as exigências do PSD, e o empobrecimento do texto em nada fez progredir o Portugal social, político e progressista. Pelo contrário. O PS é, pois, co-responsável pelas amolgadelas consecutivas no documento.
Os mais respeitados constitucionalistas têm criticado esta avançada do dr. Pedro Passos Coelho.
Porque de avançada se trata. A redução do Estado social a uma torpe caricatura está na base do que o presidente do PSD pensa e diz. Diz, é de mais. Fala, fala, e não há ninguém que o defenda do desgaste da imagem, e do tom repetitivo e enfadonho do seu discurso ideológico.
É evidente que desejou, com esta inesperada atitude, chamar a atenção para um projecto e começar a fazer com que o PS flicta, futuramente, quando a bombarda da revisão começar, de facto, a atroar os céus da política portuguesa. De qualquer das formas, as declarações de Passos Coelho fizeram alguma mossa. De tal modo que Sócrates, cercado por uma infinita série de problemas gravíssimos, que não consegue resolver, tenha sentido a necessidade de dar um pequeno torção à Esquerda.
Mas os dados estão lançados. E o alvoroço socialista parece-me, mais, coisa para inglês ver do que uma real preocupação com a tentativa de liquidação do Estado social. Porquê? Ora, porque as avarias que o PS tem feito, no tal Estado social, só não são de monta, embora poderosas, porque, à Esquerda, os protestos têm sido muito veementes. As capitulações de dirigentes socialistas pertencem aos domínios das traições revoltantes. É preciso não esquecer as depurações a que procedeu o eng.º António Guterres, e os esquemas que criou para afastar os mais renitentes socialistas, que não acreditavam na bondade de um homem, dado à intriga e ao enredo, e a quem consideravam um "infiltrado".
A degenerescência do PS vinha de longe. Mas, com Guterres, atingiu a endemia. "Há pouco socialistas no PS", disse-o Manuel Alegre, por ocasião de um comovente e magistral artigo que fez publicar no "Expresso", sob o revelador título: "Um Pouco mais de Esquerda." "Um pouco mais", pedia Alegre, modestamente, antevendo os sinuosos caminhos pelos quais o seu partido iria caminhar. De facto, o PS não é fiável nem confiável. As derivas ideológicas têm obtido uma legião de oportunistas, mas têm afastado, das fileiras, muitos dos mais nobres homens de Esquerda do nosso país.
O eng.º Sócrates, agora, vem bramar a defesa da Constituição. Porém, foram as suas políticas que conduziram a este descalabro, e que levam Pedro Passos Coelho a declarações cuja impetuosidade não oculta nem dissimula a arrogância que elas comportam. O presidente do PSD prepara a azinhaga por onde seguirá. E adverte o PS que só com essas alterações de fundo Portugal será governável. É apenas uma frase. E essa frase não corresponde à mais escassa e difusa realidade. O truque de alteração à Constituição é, rigorosamente, um truque. E o alvoroço sem metáforas do patrão dos patrões, todo contente com a perspectiva de poder fazer o que muito bem lhe apetecer - foi uma cena indecorosa, há muitos anos não vista.
Note-se que Passos Coelho não tem dito alguma coisa que seja digna de nota. Qual o seu plano para reduzir o desemprego, criar postos de trabalho, estancar a sangria do fechamento das empresas? Que ideia alimenta para a Justiça, para a Educação, para a Saúde, sem ser aquelas, velhas e cediças, do breviário neoliberal - e que consistem em acabar com tudo, inclusive, ou sobretudo, com o conceito de Estado. O dr. Passos Coelho quer entregar o Estado aos gestores, às multinacionais, aos bancos. Como se sabe, esta é uma das ideias mais anacrónicas que pensar se possa, e fornece-nos um resultado inquietante: Passos Coelho fala em excesso e demonstra uma ausência de ideias e de projectos originais que começa a ser embaraçosa.
E andamos nisto, não tocando nos assuntos essenciais, que se associam, inevitavelmente, à questão do poder.
b.bastos@netcabo.pt
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