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Mário Negreiros
10 de Abril de 2007 às 13:59

A era da solidão

Foi pela mão (ops!) do candidato da extrema direita que a masturbação chegou às presidenciais francesas. Defende Jean-Marie Le Pen que mais eficaz no combate à SIDA do que distribuir preservativos é incentivar os jovens a masturbarem-se.

Só mesmo em França é que, a julgar pela proposta de Le Pen, os jovens precisam de incentivos para se masturbarem. Por onde andei não cheguei a encontrar qualquer detalhamento da proposta, mas imagino que a coisa passasse pela cobertura das paredes das casas de banho das escolas francesas com material que suprisse a falta de imaginação dos mais limitados nessa matéria.

Tudo o que Le Pen diz tende a ser objecto de pilhéria. Em parte, por ser ele quem é e por representar o que representa, mas, convenhamos, também pelo próprio conteúdo do que diz.

A proposta é bizarra (até porque inócua), mas não deixa de ser mais um sinal de uma tendência de isolamento individual, de uma desconfiança crescente em relação ao outro, seja ele quem for, até chegar ao ponto de nem o sexo ser compartilhado. Foi precisamente num comentário à notícia de Le Pen e da masturbação como método de combate à SIDA que vi pela primeira vez a expressão "age of loneliness", ou, pela primeira vez, a ouvi como assustadora evidência de uma realidade.

Não sei bem porquê, a notícia da proposta de Le Pen toca-se, no meu peito, com a de um senhor de 40 anos que ligou a webcam, pôs a corda ao pescoço e se enforcou "online". Mais do que as razões que possam levar os enforcados à corda com que se enforcam, intrigam-me as razões que possam ter levado aquele senhor a ligar a webcam. "Age of loneliness". Muito se explica com três palavrinhas.

A solidão – bem precioso quando se a quer – é um mal que tende a crescer quando há meios de a disfarçar. E nunca houve ferramenta mais poderosa do que a Internet para disfarçar a solidão terrível, aquela que pode corroer até à morte. É interactiva, conecta, comunica, mostra... mas não acompanha. A companhia – único antídoto à solidão – ainda implica nos misteriosos efeitos do toque epidérmico. E isso lembra-me outra notícia: a de uma comunidade nos Estados Unidos cuja história genética tornou incrivelmente alta a incidência de uma doença que primeiro tira a audição e, depois, a visão. Nem braile nem linguagem de gestos. Tiveram que desenvolver uma linguagem baseada no tacto. O avesso de nós, que somos só olhos e ouvidos. Conversam de mãos dadas. De olhos fechados e em silêncio. Trocam palavras em subtilíssimos toques. Parecem namorados. É verdadeiramente enternecedor. E duvido que haja ali quem sofra de solidão.

PS: Da solidão para o egoísmo é um pequeníssimo passo. E, a julgar pelo à-vontade com que se estaciona em cima dos passeios, a solidão deve grassar em Oeiras.

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