A Lua a quem a sabe vender!
O norte-americano Dennis Hope, que se proclama e mostra papéis que o confirmam dono do sistema solar (excepto da Terra e do próprio Sol), esteve em Portugal para abrir um escritório da Lunar Embassy – a sua imobiliária galáctica – e, através dela, vender
A personagem encheu-me de ambivalência: sacana, aproveitador da ingenuidade alheia – pensei com antipatia; sacana, do nada fizeste um negócio e com ele te divertes, enriqueces e dás emprego – pensei, já com simpatia.
Acabei por me decidir pela simpatia quando vi que, a um jornalista que lhe pediu que confirmasse que a sede da Lunar Embassy ficava em Los Angeles, Dennis Hope respondeu que não: "Na verdade, o nosso quartel-general fica em New Hope Plaza, Sea of Tranquility, Lua. Eu é que opero da nossa filial em Los Angeles." Perfeito! O que importa no negócio da Lunar Embassy não é o real mas a coerência. E a coerência é irrepreensível.
Um tratado internacional impede, desde 1967, que qualquer Estado de qualquer Nação terráquea se aproprie de qualquer corpo celeste. Nada diz sobre entidades privadas. Hope mandou cartas às Nações Unidas e aos Governos das grandes potências anunciando a intenção de registar como seu o Sistema Solar (excepto a Terra e o Sol). Ninguém respondeu. Quem cala consente. A Lei americana que inspirou a exploração do Faroeste atribui ao primeiro que as reclamar, a propriedade de terras devolutas. E foi na conservatória de São Francisco, na Califórnia, que Dennis Hope registou a propriedade do Sistema Solar.
O facto de a propriedade ser, necessariamente, um direito regulado nacionalmente e de, precisamente por nenhuma Nação ter jurisdição sobre o Sistema Solar, e de o registo da Califórnia valer o mesmo que nada, é só um detalhe. O que a Lunar Embassy vende é uma fantasia e, nela, havendo uma coerência geral, os detalhes são impertinentes. Compra quem quer. No sítio da Lunar Embassy na Internet, o capítulo "E quanto ao futuro?" é claro: "De facto não existem garantias. Ninguém pode prever o futuro." Compra quem quer.
Não compro. Mas não é compra que eu desaprove ou sequer desaconselhe, mesmo porque, já se viu, até tenho simpatia por quem vende. O negócio é claro – não vale nada a não ser que valha pela fantasia – e, da fantasia de cada um, cada um é seu legítimo proprietário, dono e senhor. Para ganhar dinheiro com a fantasia é que é preciso registá-la – em São Francisco ou noutro lugar...
ia escrever "qualquer". Depois, pensei em escrever "qualquer lugar menos em Portugal, onde me exigiriam, testemunhos, estudos topográficos, pareceres do IPPAR, certidões de não-dívida à Segurança Social e às Finanças...", depois, pensei que nem em Portugal nem noutro qualquer lugar do mundo. Só na Califórnia.
E esses acabam por ser os Estados Unidos por que tenho a maior simpatia.
PS: Se fosse Oeiras na Califórnia, registava como meus os passeios públicos – se Saturno é terra devoluta, mais devolutos são os passeios de Oeiras. Se o não fossem, alguém teria impedido que se transformassem no seu avesso (em vez de passeios e públicos, estacionamentos e privados).
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