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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt
17 de Março de 2010 às 11:35

A profecia de Ricardo Salgado

Em Abril de 2009, Ricardo Salgado afirmou neste jornal que só uma amnistia fiscal traria solução para os "offshores". A manchete foi projectada na Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda. Menos de um ano depois, a mesma Assembleia projecta a...

Em Abril de 2009, Ricardo Salgado afirmou neste jornal que só uma amnistia fiscal traria solução para os "offshores". A manchete foi projectada na Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda. Menos de um ano depois, a mesma Assembleia projecta a medida: há perdão fiscal. O crime compensa. E a profecia cumpre-se. Ou quase.

Não é a primeira vez que Portugal dá uma amnistia fiscal a cidadãos que fugiram ao fisco, escondendo rendimentos em "offshores". Deu-a em 2006 a particulares com o mesmo objectivo de hoje: ver o dinheiro regressar ao País. Mas este perdão só foi dado, no passado, a particulares. Agora, como hoje revela o Negócios, o perdão é pela primeira vez oferecido a empresas. Passamos a falar de dinheiro a sério.

Este é daqueles casos em que os pragmáticos dizem que o mundo não é branco nem é preto, mas cinzento. É simples: o dinheiro saiu do País para fugir aos impostos e só regressa se a fuga for legitimada. É por isso que os cínicos dizem que a situação é "ganha-ganha": ganha o evasor, que volta a ter o dinheiro legitimado; ganha o País, porque o imposto já era irrecuperável e assim pelo menos o dinheiro regressa.

O alargamento da amnistia fiscal às empresas, contido discretamente no Orçamento do Estado para 2010, será certamente lucrativo. Tanto como dois e dois serem um Furacão. Também nessa famosa e agonizante Operação o sucesso se mede por receita fiscal. A senhora da venda trocou a balança por uma máquina registadora.

É nestas lamas que a razão económica convence a articulação legal a encolher os ombros à indignação moral. O capital volta a ter pátria quando a Pátria não tem capital - e a metrópole contorce a lei para o receber, passando esponjas pelo passado. E pelo dinheiro.

As amnistias fiscais a "offshores" acontecem em vários países (além de Portugal, que em 2006 repatriou escassos 40 milhões, também Grécia, Alemanha, África do Sul, Reino Unido, EUA e Itália, que até branqueamento de capitais perdoou). As vantagens são imediatas: as amnistias injectam capital na economia, melhoram a balança de pagamentos e, a prazo, esse capital pode gerar rendimentos sujeitos a impostos. Mas favorecem sempre os infractores, dissuadindo os cumpridores, que passam por trouxas.

É aqui que o contribuinte torce o rabo. Os impostos estão a aumentar não numa pequena excepção, como diz o primeiro-ministro, mas em quatro grandes regras: tecto máximo aos benefícios fiscais; novo escalão de IRS com taxa de 45% (que aliás produz receita negligenciável); redução da dedução específica para reformados com pensão anual acima de 22.500 euros; e o truque de congelar o valor de referência das deduções automáticas para trabalhadores dependentes.

Há alguns anos, não havia cão nem gato que não fugisse ao Fisco e disso se gabasse. Muito mudou: só os cães e os gatos com bons advogados e sedes em "offshores" fogem. Voltam depois, perdoados. Desta vez, o Governo ameaça que "é a última oportunidade". Até

à próxima.

As sociedades "offshore" estão longe de acabar. As legítimas, que sempre tiveram razão de ser, e as ilegítimas, que escondem a titularidade dos rendimentos. É por isso que só meia profecia de Ricardo Salgado se cumpre: "Só uma amnistia fiscal pode acabar com 'offshores'"? Já temos a amnistia. Só falta acabar com as "offshores". Está-se mesmo a ver.

psg@negocios.pt

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