Lata olímpica
A maioria dos portugueses já merecia uma medalha de ouro. Que seria vendida para pagar as contas!
É sempre a mesma coisa: às portas de uma grande competição internacional, os atletas são recebidos em Belém e em São Bento, fala-se em orgulho e deseja-se sorte; no regresso, geralmente sem muito glória, os políticos não estão nem aí, a comunicação social fala em desaire e os verdadeiros artistas, acompanhados por treinadores e familiares, desculpam-se com a falta de condições e de ajudas ao seu desempenho competitivo. No rescaldo dos Jogos Olímpicos deste Verão, a cena repetiu-se: só não regressamos com mais medalhas por falta de apoios do Estado. Pimba, eis a nossa olímpica subsidiodependência.
A propósito, vale a pena (re)ler o arranque do belíssimo trabalho assinado por Alexandra Machado, na edição da passada sexta-feira: "Os portugueses querem medalhas nos Jogos Olímpicos. Mas, para os atletas, estar entre os melhores já é a medalha. Portugal oferece poucas condições para a preparação. As bolsas financeiras são baixas e há falta de infra-estruturas em muitas modalidades. Os patrocínios são, na maior parte das disciplinas olímpicas, praticamente inexistentes, E há poucos clubes que contratam atletas. Muitos têm de trabalhar, ir para fora ou recorrer ao apoio dos pais. Ou lutar e acreditar. Portugal quer campeões. Mas a que custo?"
A questão é mesma esta: a que custo? Mas por que é que nós, contribuintes, devemos continuar a gastar tanto ou mais do que os 14,6 milhões de euros do programa olímpico para Londres 2012? Não vou argumentar à Durão Barroso (2002), que defendeu a inexistência de investimentos públicos de grande vulto económico "enquanto houver uma criança à espera três anos para ser operada num hospital". Não é preciso ser demagogo, basta ter algum bom senso.
Atente-se a dois exemplos que nos chegaram dos Estados Unidos, o país mais medalhado em Londres: a mãe de Gabrielle Douglas, a primeira ginasta negra a vencer o ouro olímpico individual, e os pais do nadador Ryan Lochte, que venceu cinco medalhas, estão na bancarrota. Endividaram-se até à falência na preparação dos filhos para serem heróis olímpicos. Douglas e Lochte vão agora ganhar milhões com a presença em "meetings" e em patrocínios. Nós, por cá: não quererão os atletas subsidiados partilhar os seus louros financeiros com os contribuintes? É que, nestes tempos de miséria, apenas conseguimos controlar os custos. À força. E estamos à míngua de receitas. A maioria dos portugueses já merecia uma medalha de ouro. Que seria vendida para pagar as contas!
* Coordenador do Negócios Porto Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios
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