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O conhecimento como bem comum - Parte II

Da Observação da Terra à economia de dados, a Europa ensaia um modelo de inovação que privilegia a cooperação sobre a apropriação.

Quando olhamos o planeta a partir do espaço, percebemos melhor a sua unidade e a teia de relações que o sustenta. É essa visão, simultaneamente ampla e precisa, que a Europa tem vindo a construir através da Observação da Terra. Numa era em que os dados se tornaram o novo petróleo, o continente escolheu um caminho diferente: transformar o conhecimento em bem comum, e não em monopólio.

Desde o satélite Envisat, nos primeiros anos deste século, até ao programa Copernicus, a Europa consolidou uma estratégia baseada em dados abertos e na cooperação institucional. Em vez de guardar a informação atrás de muros corporativos, decidiu partilhá-la, promovendo a criação de uma verdadeira economia do conhecimento, capaz de sustentar políticas públicas, investigação científica e inovação tecnológica. A Observação da Terra deixou assim de ser apenas um instrumento científico e tornou-se um pilar da autonomia digital e ambiental europeia, ao serviço de toda a sociedade.

A Observação da Terra não é apenas uma fonte de dados, mas um processo contínuo de criação de valor. Cada etapa, desde a recolha das imagens por satélite até à sua transformação em informação útil, acrescenta camadas de conhecimento que se refletem em decisões mais informadas, em políticas públicas mais eficazes e em oportunidades de desenvolvimento económico e social. Quando esta cadeia de valor funciona de forma aberta e articulada, o investimento em ciência e tecnologia multiplica-se em benefícios tangíveis, reforçando a autonomia europeia num setor estratégico que une inovação, sustentabilidade e soberania digital.

Os dados de satélite tornam possível compreender e agir sobre fenómenos complexos, desde a agricultura de precisão até à resposta a desastres e à redução do risco associado a cheias, incêndios ou movimentos de vertente. Revelam transformações subtis do território que antes passavam despercebidas e permitem antecipar padrões de vulnerabilidade, apoiar o planeamento urbano e orientar políticas de proteção civil. Contudo, o impacto mais profundo ocorre a jusante, quando essa informação é apropriada por investigadores, empresas e administrações públicas que, ao combinarem dados, experiência e capacidade de decisão, criam novas soluções e modelos de ação. É nessa interligação entre ciência, técnica e sociedade que se constrói um ecossistema de inovação verdadeiramente partilhado, no qual o valor emerge da cooperação e da circulação do conhecimento entre diferentes atores.

Dessa dinâmica resultam as chamadas fábricas de informação, ambientes digitais colaborativos onde o valor não se extrai, mas se constrói, e onde o conhecimento é continuamente reelaborado e devolvido à comunidade. São redes de produção de informação que integram dados de satélite com medições no terreno e outras fontes, transformando-os em conhecimento aplicável à gestão de recursos hídricos, à avaliação de riscos geológicos ou ao planeamento urbano em contextos de adaptação às alterações climáticas. Ao contrário do modelo fechado das grandes plataformas tecnológicas, que confinam o utilizador dentro do seu próprio ecossistema e controlam o acesso aos dados e às funções, as fábricas de informação seguem uma lógica aberta e cooperativa que valoriza a interoperabilidade, o código aberto e a partilha de valor entre todos os intervenientes, desde quem produz os dados até quem os transforma e aplica. Esta é, no fundo, a expressão mais clara da visão europeia de inovação: colaborativa, inclusiva e orientada para o bem comum.

Este modelo europeu demonstra que a cooperação não é uma alternativa romântica ao mercado, mas uma forma mais inteligente e sustentável de crescer. Ao articular diferentes atores numa cadeia de valor partilhada, as fábricas de informação reduzem custos, evitam duplicações e aceleram a inovação, ao mesmo tempo que promovem a confiança e a transparência entre os seus participantes. Em vez de queimar capital, reaproveitam-no; em vez de criar dependências, multiplicam oportunidades. É uma lógica que alia eficiência e ética, e que coloca a inteligência coletiva acima da acumulação individual.

Em Portugal, essa lógica começa a traduzir-se num ecossistema espacial em renovação. Nos últimos anos, o país tem assistido ao surgimento de novas empresas e iniciativas que exploram o potencial dos dados e serviços espaciais, desde o desenvolvimento de satélites até à criação de aplicações baseadas em dados de Observação da Terra. É um movimento que combina ambição e pragmatismo, talento técnico e visão pública, e que mostra que o chamado New Space europeu pode crescer de forma equilibrada, com base na colaboração e no conhecimento partilhado. Para que esse impulso se consolide, é fundamental aproveitar ferramentas, infraestruturas e processos abertos que já provaram a sua operacionalidade noutros contextos europeus, permitindo que as entidades portuguesas integrem redes de valor mais amplas e avancem mais rapidamente na criação de soluções próprias.

Essa experiência acumulada em projetos europeus mostra que o verdadeiro salto de maturidade ocorre quando o conhecimento técnico se alia à experiência operacional e à confiança entre parceiros. Portugal pode beneficiar dessa trajetória, integrando práticas já testadas noutros países e adaptando-as à sua escala e ambição. O objetivo não é replicar modelos, mas criar condições para que a inovação surja de forma autónoma e sustentável, apoiada por redes de colaboração que ligam ciência, indústria e políticas públicas.

O futuro da Europa no espaço não se medirá apenas pela quantidade de satélites em órbita, mas pela capacidade de transformar dados em conhecimento e conhecimento em ação. As fábricas de informação representam o laboratório desse futuro, um espaço onde a tecnologia se coloca ao serviço da sociedade e onde o progresso se mede não pelo que é acumulado, mas pelo que é partilhado.

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