O suplício de Tântalo nas contas públicas
Na mitologia grega, Tântalo foi condenado pelos deuses a ficar pendurado numa árvore recheada de frutos e com água pelo pescoço. Os frutos fugiam cada vez que os tentava comer e a água baixava sempre que tentava beber. Assim ia vivendo...
Na mitologia grega, Tântalo foi condenado pelos deuses a ficar pendurado numa árvore recheada de frutos e com água pelo pescoço. Os frutos fugiam cada vez que os tentava comer e a água baixava sempre que tentava beber. Assim ia vivendo Tântalo, no suplício da sede e da fome, incapaz de alcançar o que desejava. Tão perto e tão longe.
Há dez anos que tentamos colocar ordem na desordem que anos de prosperidade fácil e ilusória criaram nas contas do Estado. E sempre que nos parece estar quase lá, a atingir o desejado fruto da ordem financeira, a desordem reaparece.
As despesas e receitas do Estado destes primeiros seis meses avisam-nos de que vamos reviver o passado, numa versão ainda mais trágica, durante os próximos anos. Apenas nos resta a fé de que não será mais uma década.
O problema que se perspectiva nas contas públicas ameaça ser o mais grave da democracia, transformando as crises dos primeiros anos da democracia é pequenos sobressaltos.
Para cada lado que se olhe em busca de uma saída, há uma porta fechada, como no Tártaro, a terra mais funda do inferno da mitologia grega. Elevadas dívidas das famílias e das empresas inviabilizam novos aumentos de impostos. Cortes nas despesas públicas estão condicionados pela força dos grupos de pressão que mais comem à mesa do orçamento. E que, contrariamente ao que parecia, os mais perniciosos lobbies não são os professores, os juízes, os médicos e os funcionários públicos em geral. Os grupos de pressão que nos mantêm neste suplício de Tântalo são todos aqueles que hoje nos estão a levar para despesas - sim, despesas e não investimento - em infra-estruturas de betão manifestamente desnecessárias.
As dificuldades em abrir as portas de saída do inferno, que nos levem a mais receita fiscal ou a menos despesa, ameaçam condenar-nos à pena máxima do colapso. Um dia acordamos e descobrimos que a banca estrangeira já não empresta mais aos bancos portugueses, que por sua vez não conseguem emprestar mais aos portugueses.
Quando José Sócrates afirma que "o défice público não é prioridade" em tempo de "crise económica", está a abrir o caminho para esse colapso.
Numa economia em crise, o Estado tem de adoptar medidas para moderar a dor da recessão. Mesmo sem fazer nada, consegue atingir esse objectivo. Basta pagar os subsídios que a lei prevê e aceitar a descida de impostos gerada pela redução do rendimento e do consumo.
A afirmação do primeiro-ministro é preocupante porque alimenta esperanças infundadas. O Estado não tem recursos para evitar grande parte das dores da crise. E é preocupante por indiciar que o Governo defende um hiperactivismo que, em vez de nos moderar a recessão, nos pode lançar para uma crise muitíssimo mais grave.
O futuro, que é possível antecipar neste momento, será extremamente difícil. Temos de nos preparar para perder ainda mais benefícios do Estado social e os funcionários públicos voltarão a perder poder de compra, tal como todos os outros portugueses.
A dose dos problemas será tanto maior quanto maior for o desperdício do Estado. A crise exige mais, e não menos, cuidado com as despesas públicas, pagas com dinheiro que nos vai ser ainda mais difícil de ganhar.
Mais lidas