Ser privado ou ser diferente?
À semelhança do que acontece com vários países da Europa, também o Estado português garante o direito à saúde de todos os cidadãos portugueses através de um Serviço Nacional de Saúde. Contudo, o peso da saúde nas despesas públicas portuguesas alerta-nos para alguma reflexão quanto à eficiência dos hospitais públicos.
Aliado a este panorama, existem as cada vez mais frequentes iniciativas privadas no sector, que nos remetem para a questão: até que ponto os hospitais públicos terão um melhor desempenho que os privados? Parte da resposta poderá estar relacionada com a capacidade de organização interna de cada hospital e com a eficiência que diferentes modelos de funcionamento poderão trazer.
É neste contexto que a especialidade de Medicina Interna assume uma relevância peculiar tendo como principal função reintegrar conhecimentos dispersos pelas diferentes especialidades ou subespecialidades que dela originaram, permitindo desta forma o tratamento do doente como um todo.
No entanto, são vários os pareceres sobre esta especialidade. Por um lado, os serviços de Medicina Interna estão associados a elevados custos hospitalares o que, em conjunto com a tendência para a criação de especialidades médicas, tem conduzido a um decréscimo do seu papel dentro do hospital. Por outro lado, teorias e estudos sobre funcionamento e organização hospitalar têm vindo a defender a relevância e vantagens desta especialidade dentro dos hospitais face à sua abrangência.
A existência de um hospital privado, Hospital da Luz, que atribuiu à Medicina Interna um lugar de destaque dentro da sua organização funcional, estimulou o interesse em estabelecer um contraponto com hospitais públicos considerados comparáveis. Terá o Serviço de Medicina Interna do Hospital da Luz um melhor desempenho que os restantes hospitais? Para comparação, tomou-se um conjunto de cinco hospitais públicos.
A principal conclusão defende que o Serviço de Medicina Interna do Hospital da Luz teve um melhor desempenho, em média, que o grupo dos hospitais públicos considerados, no ano do seu arranque. O Hospital da Luz está associado a uma menor utilização de recursos se tivermos em conta que, em média, reduz a duração do episódio de internamento de cada paciente. Ainda, para uma menor utilização de recursos, tem melhores resultados finais uma vez que a admissão neste Hospital surge associada a uma menor mortalidade. Esta comparação teve em conta as diferenças na complexidade dos casos tratados nos vários hospitais analisados. Com melhores resultados em termos de mortalidade e menos recursos usados (tomando como indicador indirecto o tempo de internamento), a diferente organização funcional da Medicina Interna parece ter vantagens económicas sem custos em termos da qualidade clínica.
As evidências sugerem que a capacidade de organização interna afecta o desempenho hospitalar, e que o papel de destaque atribuído à Medicina Interna no Hospital da Luz parece auferir-lhe melhores resultados. Se este aspecto vier a ser corroborado por outros estudos que sejam desenvolvidos, terá implicações importantes para a organização hospitalar.
Mas o que estará por detrás dos diferentes resultados? Além dos hospitais privados, será que também os públicos terão autonomia para adaptar os seus modelos de funcionamento?
Partindo do princípio que a organização interna do hospital é determinante no seu desempenho e, caso os hospitais públicos não tenham essa capacidade de organização, então a prestação de cuidados de saúde pelo sector privado estará mais adaptada às actuais exigências em termos de cuidados de saúde hospitalares e como tal será mais vantajosa.
Resta-nos saber se os hospitais públicos terão, ou não, capacidade de ensaiar diferentes modelos de organização. Desta forma poderiam provar aos cidadãos portugueses que uma performance hospitalar exemplar estará mais relacionada com os modelos de organização funcional hospitalar do que com a natureza da prestação dos cuidados (pública ou privada).
Faculdade de Economia da UNL
Artigo baseado no trabalho de projecto "Internal Medicine in the Portuguese Hospitals", Mestrado em Economia, Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, 2008. Trabalho orientado pelo professor Pedro Pita Barros.
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