Sócrates, Cavaco e as demissões ministeriais
Nos últimos tempos tem-se comentado as parecenças entre José Sócrates e Cavaco Silva. A comparação é legítima porque foram ambos os únicos primeiros-ministros de governos monopartidários maioritários, tanto no caso do PS como do PSD.
Nos últimos tempos tem-se comentado as parecenças entre José Sócrates e Cavaco Silva. A comparação é legítima porque foram ambos os únicos primeiros-ministros de governos monopartidários maioritários, tanto no caso do PS como do PSD. Mas acho que não está correcta em vários domínios. Um deles tem a ver com o controle do governo exercido pelo primeiro-ministro, medido através do número de remodelações ministeriais efectuadas.
As remodelações ministeriais de fundo, isto é, que ocorrem sem antecipação dos media e envolvem uma percentagem importante de ministros são reflexo do poder do primeiro-ministro e da sua relação com o partido. Mostram ao eleitorado que o chefe do executivo não está excessivamente dependente deste ou daquele ministro. E não têm necessariamente que sinalizar inversões programáticas. Por exemplo se o substituto do ministro for um dos seus secretários de Estado. Tendo em conta que o "timing" político favorável às remodelações ministeriais efectivamente já terminou para este Governo, é uma boa altura para comparar os dois primeiros-ministros desta perspectiva. E vale a pena porque aponta para características interessantes tanto dos governos como do regime.
A meio do seu primeiro mandato de maioria absoluta, entre Janeiro e Abril de 1990, Cavaco Silva substituiu oito ministros nas seguintes pastas: Administração Interna, Agricultura, Comércio, Defesa, Finanças, Justiça, Obras Públicas e Saúde. Uns saíram por se terem tornado desnecessários: foi o caso de Eurico de Melo e Álvaro Barreto. Outros por serem muito impopulares, a saber Beleza e Cadilhe. Mas dois destes ministros remodelados na verdade foram ocupar cargos mais importantes dentro do Governo: Fernando Nogueira e Ferreira do Amaral. Além disso, Cavaco promoveu Laborinho Lúcio e Arlindo Cunha de secretários de Estado a ministros. E ainda nomeou militantes do PSD como secretários de Estado, nomeadamente Manuela Ferreira Leite, Pedro Santana Lopes e Carlos Encarnação.
Já se observarmos o mandato de Sócrates da perspectiva das remodelações ministeriais, não encontramos o mesmo padrão estratégico de (re)construção do partido. Comparando a composição do Governo de Sócrates que tomou posse em 1995, com o que está em funções, hoje verificamos o seguinte: Não houve nenhuma remodelação de fundo neste Governo. Houve cinco ministros que saíram ao longo destes quatro anos: Campos e Cunha foi "um erro de casting"; Freitas saiu por razões pessoais; António Costa teve de ir acudir à Câmara de Lisboa. As únicas duas saídas por razões de impopularidade foram Correia de Campos e Pires de Lima. Nas substituições, não houve um único Secretário de Estado neste governo que tenha sido promovido a Ministro. Além disso, não houve também ministros que tenham permanecido no executivo mas mudado de pasta, num sinal de maior poder dentro do governo.
Todos os novos ministros que tomaram posse, de Teixeira dos Santos a Ana Jorge são "compagnons de route" do PS, mas ao que pude confirmar a maioria não são militantes do partido. Portanto, Sócrates não fez qualquer remodelação de fundo, e as remodelações que fez não indicam nenhuma trajectória de criação de uma nova elite socrática no partido. Pelo menos que faça a sua escola política no Governo.
Isto pode ser em primeiro lugar um sinal dos tempos. Já passaram quase duas décadas entre uma maioria e outra, e sabemos que a imagem dos partidos tem sofrido um grande desgaste com consequências também para as adesões de militantes.
Mesmo assim, a escolha maioritária de ministros não-partidários não é irrelevante para a caracterização deste primeiro-ministro. Como deve ser interpretada? Em Portugal, a existência de ministros independentes também tem sido vista como o sinal do reforço do primeiro-ministro, e sobretudo da autonomia do chefe do executivo em relação ao partido. As escolhas ministeriais de Sócrates, e as remodelações que tem vindo a (não) fazer revelam um relativo distanciamento do governo em relação ao partido. Que poderá não ter consequências positivas na medida em que não dinamiza a mobilidade das carreiras políticas no PS. Mas é substantivamente diferente da estratégia de Cavaco que se distinguiu pela reconfiguração do PSD.
PolitólogaMarinacosta.lobo@gmail.com
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