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Miguel Pereira Lopes
11 de Janeiro de 2010 às 11:52

TGV, para quê?

A recente comunicação de Ano Novo do Presidente da República relançou, entre muitas outras coisas, a discussão sobre os grandes investimentos em obras públicas que o Governo pretende realizar nos próximos anos. Destes investimentos, o TGV é indubitavelmente...

A recente comunicação de Ano Novo do Presidente da República relançou, entre muitas outras coisas, a discussão sobre os grandes investimentos em obras públicas que o Governo pretende realizar nos próximos anos. Destes investimentos, o TGV é indubitavelmente aquele que maior notoriedade tem e que mais divide Governo e grande parte da oposição. Apesar das divergências nesta matéria, parece-me que falta discutir a questão de fundo que é "TGV, para quê?".

Quem já frequentou uma qualquer formação para vendedores, sabe o quão fundamental é distinguir entre as "características" daquilo que se quer vender e os "benefícios" que tal produto ou serviço trará no futuro. Não obstante, e apesar desta simples distinção conceptual, ouvimos de ambos os lados da "barricada" os mais disparatados argumentos. Falta explicar aos portugueses o mais importante - para que serve afinal o TGV.

Independentemente do investimento em causa, um TGV pode servir para muitas coisas, boas e más. Pode servir para transportar terroristas e outros criminosos para o nosso país ou pode facilitar o êxodo de pessoas qualificadas para outros países. Mas também pode ser uma infra-estrutura estrategicamente positiva para trazer pessoas qualificadas e ajudar a concretizar novas ideias e projectos.

A questão-chave, não é se o TGV é bom ou mau em si mesmo ("característica"), mas o que é que pretendemos alcançar com ele e como ("que benefícios?"). E é neste quadro que tanto o Governo como a oposição têm falhado a olhos vistos na discussão do tema.

Um dos argumentos mais fracos do Governo é que o TGV poderá gerar novos postos de trabalho. É certo que a criação de emprego é hoje uma (a?) das prioridades da governação. Mas ainda assim, é um argumento frouxo. Primeiro, porque é errado investir dinheiro numa infra-estrutura se a sua principal razão é criar emprego (argumento que, aliás, justificaria qualquer outra decisão que alcançasse o mesmo objectivo, e muitas haveria). Em segundo lugar, coloca-se a pergunta: então e depois destas obras, continuamos a "inventar" mais obras de betão para continuar a dar emprego ou estamos apenas a adiar o desemprego destes nossos concidadãos?

Finalmente, esta é uma estratégia em parte incongruente com muitas outras políticas do actual governo. É certo que em obras desta natureza há mão-de-obra qualificada, mas a maioria é efectivamente mão-de-obra indiferenciada e pouco qualificada, que será a herança no final dos trabalhos. Afinal em que ficamos?

É certo que a posição do Governo é mais positiva do que a da oposição, que apenas nega o investimento sem justificar porquê. Pior ainda, usando muitas vezes argumentos como o "emprego que daria a estrangeiros" ou a cedência aos interesses do país vizinho. Mas estas posições são permitidas, antes de mais, pela incapacidade do Governo em demonstrar em que medida o TGV contribuirá para a economia e para a qualidade de vida dos portugueses.

É por isso fundamental fazer uma discussão séria e centrada nos "benefícios" que esta e outras infra-estruturas têm para o nosso país. Principalmente pelos avultados custos que nos trarão no futuro. Parece por vezes ser o pensamento dominante, julgar que a mera existência de um equipamento desses garante a sua utilização e utilidade. Mas é preciso pensar porque é que alguém quereria viajar do centro da Europa ou de Espanha para Portugal. Isso é que vale a pena discutir!

É certo que os potenciais e mais desejados investidores não vêm a Portugal de TGV, mas provavelmente nos seus jactos particulares. Mas jovens estudantes, novos segmentos de turistas, novos tipos de imigrantes e até novos residentes estrangeiros poderão ver facilitada a sua permanência no nosso país e dinamizar a nossa economia. Mas para isso, é preciso mais. É necessário que encontrem cuidados de saúde apropriados, escolas de qualidade, segurança no seu dia-a-dia, entre muitas outras coisas. Num só conceito, é fundamental que sintam uma maior qualidade de vida. E essa é a verdadeira razão que pode justificar a utilidade e o investimento do TGV.

Professor e Investigador Pós-Doutorado na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e Presidente da Direcção do Instituto de Tecnologia Comportamental

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