pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque
Miguel Pereira Lopes
29 de Outubro de 2010 às 12:26

Planos de austeridade: apontamentos de economia comportamental

As opções tomadas nos recentes planos de austeridade tomados pelos governos de Portugal

As opções tomadas nos recentes planos de austeridade tomados pelos governos de Portugal e de outros países da Europa, bem como as propostas das oposições, quando existem, contêm indubitavelmente razões de natureza político-ideológica e/ou político-táctica na sua origem.

Contudo, além destas razões, a análise dessas opções políticas pode ser realizada tendo em conta o que nos mostram as recentes investigações realizadas no campo do que se tem apelidado de "economia comportamental". Obviamente que o alcance dessa investigação científica é muito mais vasto do que um pequeno texto como este permite explicar. Mas aqui ficam alguns apontamentos pertinentes.

Uma das principais medidas anunciadas é a subida do IVA. Será boa ou não de acordo com os modelos da economia comportamental? Embora de forma não linear, a subida do IVA impulsionará ceteres paribus os níveis de inflação. A inflação, a par do desemprego, tem um impacto negativo no bem-estar percebido pelos cidadãos (aliás, o efeito cumulativo da inflação e do desemprego constituem aquilo que os economistas chamam o "índice de miséria"). Mas entre outros destinos, as verbas amealhadas permitirão entre outras coisas apoiar a criação de emprego e a protecção no desemprego, podendo ter também algum efeito positivo.

Se assim é, o efeito global é melhor ou pior do que não mexer no IVA? Aqui, as investigações da economia comportamental fazem a diferença. Os modelos económicos clássicos tendem a assumir uma relação inversa entre inflação e desemprego (a chamada "curva de Phillips"), mas investigações recentes mostram que o impacto negativo da inflação e do desemprego que é percebido pelas pessoas não têm o mesmo calibre. Por isso, no momento de decidir entre inflação ou desemprego, não devemos colocar o mesmo peso em ambos os factores.

O estudo realizado por Di Tella e colaboradores, publicado em 2001 no "American Economic Review" mostra, por exemplo, que o impacto negativo do desemprego no bem-estar das pessoas é muito maior do que o impacto da inflação. Em concreto, a subida de um ponto percentual no desemprego provoca a mesma redução na satisfação e no bem-estar das pessoas que provocariam 1,7 pontos percentuais de aumento na inflação! Neste sentido, a subida do IVA é uma medida bem mais aceitável do que outras que têm sido sugeridas e as políticas de controlo inflacionista seguidas pelo BCE no passado recente (e que em parte terão contribuído para a crise económica e de desemprego que estamos a viver) são totalmente condenáveis.

Mas há mais. E então a redução de salários na Administração Pública? Aqui, os governos agem ignorando por completo o que sabemos hoje sobre economia comportamental. Pode ser apenas um efeito psicológico, mas o mais importante é que esse efeito influencia a satisfação e a aceitação das pessoas das políticas em causa. A investigação mostra que a redução salarial é o pior cenário para aumentar o contributo das pessoas. As pessoas seguem frequentemente a heurística de que o progresso se faz para a frente e que, como tal, um retrocesso no seu rendimento é uma impossibilidade. O efeito é tão forte que pessoas normais como nós (e mesmo estudantes de economia que não se apercebam que estão a ser avaliados!) prefeririam uma situação futura onde mantinham constante o seu rendimento num período de inflação elevada a uma situação onde reduziam o seu salário em 1% num período de deflação de 5%... pode parecer nonsense, mas é assim que nós pensamos sobre o dinheiro. Perder valor relativo é mais fácil que valor absoluto!!!

É pois uma má medida a redução de salários e outras alternativas seriam bem melhores em termos de satisfação das pessoas. Por exemplo, teria sido melhor a eliminação extraordinária do subsídio de Natal. Se em termos financeiros pode constituir o mesmo valor (ou até mais, eventualmente), em termos psicológicos é como se fosse uma "caixinha diferente". Claro que o dinheiro é um bem discreto e, como tal o dinheiro é o mesmo. Mas para as pessoas o subsídio de Natal é simplesmente dinheiro de uma "caixinha diferente". É assim que pensamos, como mostram os estudos da economia comportamental. Neste sentido, a percepção seria a de que a medida era extraordinária e que não havia uma real descida nos salários (que obviamente existiria na mesma). Até mesmo a criação de um imposto extraordinário ou a subida do IRS para estes mesmos funcionários teria funcionado melhor.

Julgo que fica evidente a mais-valia da economia comportamental para a avaliação de opções políticas e de políticas públicas. Mas aqui fica um último apontamento. Alguns dizem que retirar dinheiro a quem mais tem pode contribuir para a equidade, mas é injusto. Ora os estudos mostram que o valor marginal do rendimento diminui à medida que o seu valor absoluto aumenta. Ou seja, retirar 50 euros a quem aufere 500 tem um impacto muito mais negativo no seu bem-estar do que retirar 500 euros a quem aufere 5.000, embora em ambos os casos se trate de uma remoção de 10%. As medidas de redução/taxação progressivas são por isso boas, porque a menos satisfação gerada em quem mais tem é menor do que aquela que se ganha em quem menos tem. Neste sentido, a redução progressiva dos salários é uma boa medida, embora se pudesse ter ido mais além neste campo. Um último exemplo apenas: qual o valor marginal de 5% de redução para um reformado que aufere mais de 1.500 euros e que já não tem encargos com filhos nem eventualmente com aquisição de habitação própria? E o de um reformado que aufere 5.000 euros mensais? Será menor do que o de alguém com uma família por alimentar que ganhe o mesmo?

Em suma, se decidimos que a felicidade é o objectivo último da vida humana, há que levar em conta os impactos diferenciais das opções políticas no bem-estar das pessoas e compreender que as relações entre estas variáveis nem sempre são lineares. Isto não quer dizer que as opções tomadas não incluam aspectos ideológicos e de tacticismo político, mas tão só que o conhecimento da ciência económica pode auxiliar a tomar medidas mais justas e eficazes para o bem das pessoas.

Pós-doutorado em Economia e doutorado em Psicologia pela FE-UNL. Professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP-UTL) e Presidente da Direcção do Instituto de Tecnologia Comportamental (INTEC)

Ver comentários
Ver mais
Publicidade
C•Studio