As mentes prisioneiras da Reserva Federal
É interessante que o ponto de discórdia não fosse a posição dos candidatos sobre a inflação mas, sim, sobre a regulação da banca. Por que é que o papel de presidente da Reserva Federal se tornou tão importante no patamar político? E por que é que a regulação da banca se tornou mais interesse do que a inflação, na opinião dos senadores norte-americanos (que têm de confirmar a nomeação de Obama)?
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Estas alterações são simplesmente uma consequência da crise financeira de 2008 e das políticas adoptadas por Bernanke para a ultrapassar. Num esforço para salvar o sistema financeiro do colapso – e, depois, na tentativa de chegar à recuperação económica –, a Fed empreendeu políticas muito activas: taxas de juro próximas de zero, programas de compra de activos massivas, remuneração das reservas dos bancos e por aí em diante. Embora tenham sido bem-sucedidas no estímulo à economia, estas políticas tiveram enormes efeitos redistributivos: desde os pequenos aforradores a bancos; de proprietários de casas afogados em dívidas a investidores ricos; de pensionistas a financeiros.
Estes efeitos redistributivos estão a obrigar os economistas a pensarem, novamente, na melhor forma de governar do banco central, que ficou assente num poderoso dogma que emergiu no final dos anos 70 e início dos anos 80, em resposta à elevada inflação: os banqueiros centrais precisam de ser independentes face ao sistema político.
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Na altura, o fim do sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio fixas deixou os banqueiros centrais expostos à pressão política, em favor de políticas mais expansionistas e de ainda maior financiamento monetário dos défices orçamentais. O exemplo mais famoso de uma interferência indevida foi a pressão do presidente Richard Nixon sobre o então presidente da Fed, Arthur Burns, para facilitar as condições do crédito durante a campanha presidencial de 1972.
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No longo prazo, tal pressão prejudica a credibilidade dos políticos que a exerceram. Por esta razão, os bancos centrais alteraram os seus estatutos para assegurarem uma maior independência face ao governo. O quadro de governação do Banco Central Europeu é o exemplo desse facto.
Ainda assim, a independência política pode conduzir a uma completa ausência de prestação de contas política. E assim foi. Libertados da pressão política, os banqueiros centrais foram vítimas de uma captura intelectual, devido a uma natural inclinação para agradarem àqueles a que se assemelham: os banqueiros e os académicos da área. Na altura em que o papel da Fed era simplesmente, tal como sublinhou o antigo presidente William McChesney Martin, o de calibrar a oferta de dinheiro assim que os salários começassem a aumentar mais rapidamente do que a produtividade, a captura intelectual não era uma preocupação: os banqueiros centrais não gastavam muito tempo com os trabalhadores ou os sindicatos.
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No final do século XX, contudo, o trabalho dos banqueiros centrais começou a mudar. A forte concorrência vinda da China manteve os salários e os preços nos consumidores (inflação) sob controlo. Assim, a principal razão que levava a calibrar a oferta de dinheiro já não era uma subida dos preços nos consumidores mas uma subida nos preços dos activos. Aqui, no entanto, o problema da captura intelectual é muito mais grave.
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Em 1996, depois de o então presidente da Fed, Allan Greenspan, ter levantado a possibilidade de os investidores estarem a sofrer de uma “exuberância irracional”, foi criticado de forma tão forte que nunca mais se atreveu a repetir nada do género, mesmo no meio da bolha da Internet. É difícil que os banqueiros centrais ignorem que o sector financeiro vai beneficiar largamente de uma subida nos preços dos activos. Mesmo quando o presidente da Fed não vem do mundo financeiro, como aconteceu com Bernanke, a formação intelectual é a mesma que a dos banqueiros (tal como é a das conferências em que participam).
E se a captura intelectual não fosse suficiente, o problema é exacerbado nos Estados Unidos pela forma de governo antiquada dos 12 bancos regionais da Reserva Federal. Os presidentes das Fed regionais são escolhidos por um conselho que representa a comunidade empresarial local, em particular a comunidade financeira local. O conselho de administração da Fed de Nova Iorque parece um guia de quem é quem no mundo da banca. Como é que podemos esperar que estes governadores sejam independentes da banca quando eles viveram e respiraram a perspectiva financeira durante todas as suas carreiras?
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Agora que Obama nomeou Yellen, a atenção deve virar-se para esta questão. A pressão política é o único antídoto conhecido contra a pressão dos banqueiros. Qualquer uma delas, em demasia, levará a Fed na direcção errada. Mas agora, depois de três décadas em que a independência política expôs os bancos centrais à captura intelectual, é necessário um pouco de reequilíbrio.
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Luigi Zingales é professor de Empreendedorismo e Finanças na Booth School of Business, na Universidade de Chicago.
Copyright: Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Diogo Cavaleiro
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