O Alqueva não dá água
Ano após ano, Portugal está cada vez mais aprisionado pela expansão do deserto do Sara. Este movimento, irregular mas permanente, que dura há centenas de anos, é um fenómeno climático indiscutível, que obriga a uma consistente e duradoura política de água
Fica assim difícil compreender como é que a barragem do Alqueva, essa interminável e interminada obra máscula do regime democrático, eternamente reavaliada do ponto de vista da valência eléctrica «versus» valência agrícola, está cheia mas não fornece água para as necessidades agrícolas. É difícil de aceitar que se possa morrer de sede à borda do maior lago português.
Para os agricultores alentejanos, o Alqueva é, deste ponto de vista, uma miragem. Uma miragem própria de um deserto. Irónica e dramaticamente, o primeiro concelho que pede socorro público por falta de água é exactamente Alcoutim, o município que está a Sul do Alqueva e é banhado pelo Guadiana. Mas não só.
Daqui a um par de dias chega a Primavera e poderemos dizer que não choveu todo o Inverno. Desde o S. Martinho até agora, apenas caíram uns pingos de água como os das chuvas de final de Agosto. Água que mal chegou ao chão. É o pior ano de seca desde há muito tempo mas certamente não será o pior se pensarmos nos próximos anos.
Mesmo que Abril mantenha a tradição e prove ser o mês de águas mil, mesmo que o final de Maio traga as trombas de água costumeiras, este ano a agricultura portuguesa está irremediavelmente prejudicada, incêndios já grassam em Castelo Branco e entidades privadas abrem furos ilegais à procura de lençóis subterrâneos.
Estamos em Março e as notícias começam a ser parecidas com as dos meses de Junho. É pois possível que venhamos a ter um Verão de chumbo com enormes incêndios e com racionamento de água. Depois da agricultura, a silvicultura e o turismo serão também prejudicados. A indústria do papel e a indústria turística.
Face à dimensão da seca, o Governo terá de tomar imediatas medidas de curto prazo que dependem essencialmente de Bruxelas, visando compensar os agricultores pelos prejuízos. E terá de desenvolver medidas de longo prazo para enfrentar o previsível aumento das ocorrências de secas, desenvolvendo o Plano Nacional da Água.
Além disto, o Governo terá de erguer a seca como prioridade política e definir um programa imediato de acção que deve anunciar com toda a celeridade.
Se não o fizer, se não reforçar a vigilância dos incêndios, se não reforçar as inspecções florestais, se não insistir na limpeza das matas, se não investir em meios de combate aos fogos, se não liderar o combate aos multi-efeitos da seca, estará a dar um sinal de incapacidade política que lhe fará arder o estado de graça.
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