Apesar dos compromissos públicos para cortar emissões, um novo estudo da organização Transport & Environment (T&E) revela que a inovação tecnológica dos fabricantes de aviões está praticamente estagnada. “A última vez que Airbus ou Boeing lançaram um novo avião de raiz foi em 2015”, aponta o relatório, que diz que, desde então, as empresas se têm limitado a reaproveitar modelos antigos.
Esta falta de ambição tecnológica tem consequências diretas para o clima e para a energia, consideram os especialistas. “A nossa modelação sugere que a aviação europeia poderia ser até 13% mais eficiente em 2050 com um cenário de inovação ambicioso”, lê-se no documento. Neste cenário, seria possível poupar eletricidade renovável suficiente para alimentar 27 milhões de bombas de calor por ano.
O estudo identifica dois grandes culpados para a estagnação da inovação: a falta de concorrência e a ausência de políticas eficazes. “Airbus e Boeing respondem por quase 95% das emissões da frota comercial global”, afirma a T&E, que lamenta o desequilíbrio no mercado que não favorece avanços tecnológicos.
A Boeing enfrentou nos últimos anos problemas de segurança e trabalho, registando prejuízos entre 2019 e 2024, e como consequência verificou-se uma redução do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D). Já a Airbus, em posição financeira confortável, não tem usado a sua vantagem para inovar. “A despesa em I&D tem-se mantido nos 3 mil milhões de euros anuais, mas os dividendos dispararam de 500 milhões de euros em 2012 para 2,38 mil milhões de euros em 2024”, aponta-se.
Este comportamento “mostra que o mercado atual favorece melhorias incrementais em modelos antigos”, o que é considerado insuficiente para enfrentar a crise climática. A T&E critica ainda os atuais padrões de CO2 da aviação, criados em 2016 pela Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO), que são tão pouco exigentes que “modelos dos anos 60 com motores dos anos 2010 continuam a cumprir os critérios planeados para 2035”.
No entanto, o potencial transformador da tecnologia continua a existir e o relatório enumera soluções já identificadas por especialistas: motores de rotor aberto com mais 20% de eficiência, fuselagens com menos atrito e peso, e outras configurações. Mesmo ajustes simples, como reduzir a velocidade de cruzeiro em 15%, poderiam cortar o consumo de combustível até 7%, com impacto mínimo na duração dos voos.
As aeronaves elétricas ou híbridas, embora limitadas no alcance (até 1600 km), podem ainda descarbonizar rotas curtas de forma mais eficiente do que os combustíveis sintéticos. No longo curso, o hidrogénio surge como solução promissora porque “tem mais energia por quilo do que o querosene e não requer carbono na produção”. Apesar dos desafios de armazenamento e infraestrutura, já há empresas a trabalhar em protótipos comerciais.
A T&E defende, por isso, uma série de medidas para desbloquear a capacidade de inovação e uma delas é acabar com subsídios aos combustíveis fósseis. “O querosene continua isento de impostos na União Europeia, ao contrário da gasolina dos carros”, criticam.
“O atual critério da taxonomia verde permite que a maioria dos aviões existentes seja considerada uma atividade de transição, desincentivando o investimento em tecnologias disruptivas”, lamentam os autores. O estudo sugere que a UE crie os seus próprios critérios se a ICAO continuar a falhar.
O programa Clean Aviation, com 4 mil milhões de euros, precisa de “acompanhamento legislativo” e de “diversificar os destinatários para incluir empresas novas e disruptivas”. A T&E recomenda também a modulação das taxas aeroportuárias e de acesso a slots com base nas emissões, de forma a favorecer os aviões mais eficientes e livres de emissões.
Em termos de impacto, os números são claros: no cenário ambicioso, a aviação europeia poderia reduzir 123 milhões de toneladas de CO2 até 2050, o equivalente às emissões anuais de 62 milhões de carros a combustão. Para lá chegar, porém, o setor terá de sair da sua zona de conforto e fazer “a inovação voar mais alto”.