pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

A era dos refúgios climáticos

Procuram-se abrigos contra o calor – sejam locais para viver ou visitar. Barcelona tem uma rede de refúgios climáticos, Paris adotou as suas “ilots de fraîcheur” e Nova Iorque identificou os seus “cooling centers”. Portugal está a dar os primeiros passos.

27 de Agosto de 2025 às 11:00
Sérgio Lemos
  • ...

Na era dos extremos climáticos, procuram-se abrigos contra o calor – sejam locais para viver ou visitar. Em Espanha, territórios do norte já usam esta expressão como gancho para atrair habitantes e turistas. É o caso da Galiza, que lançou a marca “Galicia, refugio climático”, promovendo a região como destino ideal para verões mais suaves. Barcelona criou mesmo uma rede de refúgios climáticos para proteger os residentes das temperaturas elevadas. Em Portugal, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) está a estudar o tema e, a nível local, a Câmara de Lisboa tem um projeto para criar uma rede de refúgios climáticos. Também Setúbal avançou com o seu Plano de Ação Climática.

Países do norte da Europa, como a Suécia, já recorrem ao termo “coolcation” nas campanhas oficiais para atrair turismo: “À medida que as temperaturas disparam, cada vez mais viajantes trocam as ondas de calor por destinos mais frescos. ‘Coolcationing’ – escolher destinos mais amenos em vez de sufocantes – tornou-se uma tendência de viagem. Com o seu ar puro, a imensidão da natureza e os longos dias de verão, a Suécia é o lugar perfeito para se manter fresco enquanto se explora o país”.

No sul da Europa, países como Portugal e Espanha podem perder atratividade turística e não encaixar no rótulo “cool” do marketing climático. Mas algumas regiões do território vizinho já acenam com a bandeira de verões mais frescos, em contraste com o calor do sul. Como explica a investigadora catalã Anna Pacheco, autora do livro “Estive Aqui e Lembrei-me de Nós. Uma história sobre turismo, trabalho e classe”, “vários territórios no sul de Espanha, muito dependentes da indústria turística, irão deparar-se com graves problemas” e “deixarão de ser atrativos devido às altas temperaturas. Regiões do norte, como Astúrias, Cantábria ou Galiza, estão a começar a promover-se como refúgios climáticos e como destinos alternativos para fugir ao calor do sul”.

Em França, assiste-se a um movimento semelhante. O sociólogo Jean-Paul Thibaud, especialista em planeamento urbano, diz ao Negócios que “o turismo está a mudar”. “Antes, os franceses preferiam ir para o sul. Agora, há uma vaga crescente de turistas que opta pela Bretanha e por regiões do norte ou oeste, onde o clima é mais fresco”, enfatiza.

Portugal ainda não utiliza formalmente marcas como “refúgio climático” nem promove, de forma coordenada, as regiões mais frescas com esse argumento. O Turismo de Portugal admite não ter “ainda informação nacional disponível para ser partilhada”. Já a nível regional, a Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa (ERT-RL) refere que as suas ofertas turísticas “estão sintonizadas com um planeta onde as alterações climáticas são um dos principais desafios”, apontando como exemplo o ecoturismo.

O mapa de Barcelona

Em 2020, a cidade de Barcelona lançou uma rede de refúgios climáticos para proteger os habitantes das ondas de calor – e também de frio. Hoje, conta com mais de 350 espaços, entre bibliotecas, museus, igrejas, parques, piscinas públicas e outros locais, todos com temperatura máxima garantida de 26 graus. Os cidadãos podem consultar um mapa oficial para localizar estes pontos. A capital catalã tem servido de referência para Lisboa, que “dispõe de um plano para a criação de uma rede de refúgios climáticos, em articulação com as entidades competentes”, segundo fonte oficial da autarquia.

“Esta rede será ativada em situações de calor ou frio extremos. É constituída por espaços públicos, como parques e jardins, e por equipamentos edificados acessíveis à população, com diferentes usos e funcionalidades, que garantam conforto térmico durante eventos climáticos extremos, especialmente para os grupos mais vulneráveis. Está também a ser considerada a sua integração nos planos de emergência da cidade”, refere a mesma fonte. “A localização dos refúgios climáticos tem por base o mapa da Ilha de Calor Urbano, que assinala as zonas mais sobreaquecidas da cidade, devido à sua elevada artificialização e baixa ventilação natural”, acrescenta.

Paralelamente, “no âmbito do projeto europeu Cool Noons, está a ser delineada uma rede de rotas urbanas com menor exposição ao calor, que inclui zonas verdes, espaços públicos sombreados e edifícios climatizados – como museus ou igrejas – que funcionam como pontos de refúgio durante ondas de calor”, aponta a autarquia.

“A verdade é que Lisboa ainda não tem uma rede formal de refúgios climáticos. Sempre que é feita essa pergunta, a resposta é a mesma: o plano está a ser elaborado”, assinala Manuel Banza, cientista de dados especializado em urbanismo que trabalha atualmente no gabinete do Livre na Câmara Municipal de Lisboa. Recorda que, em 2022, o Livre apresentou, numa sessão da Assembleia Municipal, uma recomendação para identificar “cooling centers”, ou “centros de arrefecimento”, onde a população se possa refugiar durante as ondas de calor. O documento apontava como referência o caso de Barcelona, mas também os de Paris, que dispõe de uma rede de “îlots de fraîcheur”, e de Nova Iorque, que há vários anos identificou os seus “cooling centers”.

Inspirado no caso de Barcelona, Manuel Banza identificou algumas “ilhas de frescura” em Lisboa e construiu um mapa interativo com pontos estratégicos, como bebedouros, matas, lagos e parques. Entre eles estão a Fundação Calouste Gulbenkian e o Palácio Galveias, nas Avenidas Novas – uma zona particularmente suscetível ao efeito de ilha de calor. “A Gulbenkian é um espaço semipúblico, onde qualquer pessoa pode entrar e refugiar-se nas sombras ou no interior dos edifícios, que têm ar condicionado. O mesmo acontece com o Palácio Galveias.”

Recorde-se que Lisboa é uma das 100 cidades europeias que se comprometeram a alcançar a neutralidade carbónica até 2030.

A nível regional, também não existe uma rede formal de refúgios climáticos. “Ainda não há nenhuma rede. Existem planos. Estamos à espera da oportunidade e, neste momento, a dialogar com uma entidade para preparar uma candidatura ao Horizonte – o programa-quadro de investigação e inovação da União Europeia – para trabalhar a matéria dos refúgios climáticos”, aponta fonte oficial da Área Metropolitana de Lisboa (AML). “E a AML, mesmo que indiretamente, tem vindo a atuar sobre estas matérias no âmbito de outros projetos, como as iniciativas europeias Destination Earth e Projeto Provide”, acrescenta.

“Independentemente de não haver refúgios, a Área Metropolitana traçou o seu Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas (PMAAC-AML), e, na sequência da elaboração desse plano, fizemos a avaliação de impactos e vulnerabilidade no território metropolitano. Foram identificados quatro riscos climáticos, como a necessidade de adaptação às temperaturas elevadas, e foram elencadas medidas para mitigar os impactos das ondas de calor.” A criação de espaços de sombreamento e de ações de arrefecimento são algumas das propostas.

“Na sequência deste trabalho, os municípios da Área Metropolitana que elaboraram os seus planos de adaptação às alterações climáticas têm vindo a evoluir nesta área” – a Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro) determina que todos os municípios devem elaborar Planos Municipais de Ação Climática (PMAC). Por exemplo, Setúbal aprovou no ano passado o seu Plano de Ação Climática.

O que são, afinal, refúgios climáticos? “O conceito é autoexplicativo. Acomoda locais onde nos podemos refugiar dos extremos – do calor e do frio”, nota o climatologista António Lopes, professor associado do IGOT-ULisboa, investigador do Centro de Estudos Geográficos e coordenador do grupo de investigação “Alterações Climáticas e Sistemas Ambientais – Zephyrus”. “Em tempos de calor extremo, temos de proteger sobretudo as pessoas mais vulneráveis e acautelar determinados índices de conforto térmico”, sublinha.

Na sequência do alerta de período de tempo quente que teve início a 25 de julho de 2025, foi detetado um excesso de mortalidade no país, “observando-se 264 óbitos em excesso em Portugal Continental. Tal correspondeu a um excesso relativo de 21,2% face ao esperado, entre 26 e 30 de julho de 2025, sobretudo no grupo etário com 75 ou mais anos de idade e na região Norte, conforme estimativas do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA)”, referiu a DGS em comunicado.

Mais notícias
Para quem gosta de Bolsa, é o espaço privilegiado de debate em Portugal! Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos Aceder ao Fórum
Publicidade
pub
pub
pub