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Um novo projeto de investigação internacional vai, pela primeira vez, analisar o bem-estar animal no setor das pescas, com o intuito de promover melhores práticas que reduzam o stress e o sofrimento dos peixes, à semelhança do que já é feito na agropecuária e na aquacultura.
O projeto, levado a cabo pelo consórcio internacional Carefish/catch, do qual fazem parte as instituições portuguesas Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR) e Fish Ethology and Welfare Group (FEWG), vai avaliar o impacto de diferentes métodos de pesca nos peixes e propor medidas para reduzir o seu sofrimento no ato da captura. "Os peixes são capazes de sentir dor e stress, e sabemos que a forma como morrem no processo de captura influencia imenso a qualidade", explica João Saraiva, coordenador do FEWG, ao Negócios.
O CCMAR está já a levar a cabo experiências no mar, em parceria com pescadores nacionais, para testar vários métodos, materiais e equipamentos para atenuar o sofrimento dos peixes na sua captura. "Estes métodos serão adaptados da aquacultura, onde estas práticas de bem-estar estão já a ser implementadas, e onde se demonstrou que uma morte rápida e sem sofrimento se traduz num produto com muito melhor qualidade e segurança alimentar", explica João Saraiva.
Concretamente serão testadas "práticas como atordoamento e abate imediatamente após a captura com equipamentos adaptados aos barcos de pesca, novos métodos de trazer o peixe para bordo, evitando o esmagamento, e potenciais novos anzóis e redes, de modo a reduzir os danos antes de o peixe subir para bordo".
A equipa do projeto irá avaliar os diferentes impactos que as artes de pesca têm no bem-estar animal dos peixes e definir os aspetos com maior potencial para reduzir o sofrimento animal em diversas pescarias e para diferentes espécies. Com esta informação, o Crefish/catch irá criar linhas orientadoras para o processo da certificação da Friend of the Sea (FOS). A FOS certifica práticas de pesca sustentável no mundo inteiro, o que tornará este no primeiro esquema de certificação a incluir critérios para reduzir o sofrimento animal nas pescas.
"Estamos cientes de que cada arte de pesca tem as suas características, que um cerco é completamente diferente de um arrasto e que uma sardinha não é igual a um sargo. É exatamente para responder a essas diferenças entre artes e entre espécies que estamos a trabalhar", explica João Saraiva.
Numa abordagem integrativa, o projeto pretende incorporar pescadores e outros agentes, de forma a avaliar as dimensões sociais e económicas do bem-estar animal nas pescas. Sobre o feedback do setor pesqueiro, o coordenador diz que "tem sido escasso, talvez por ainda estarmos no início". Porém, adianta que "os armadores com quem temos tido contacto, tanto a nível nacional como internacional, têm recebido bem as nossas ideias, mas com natural reserva em relação ao investimento e mudanças que terão que ser feitas".
O impacto socioeconómico das medidas propostas também é uma das abordagens a ser estudadas pelo consórcio. "O que podemos dizer é que, por exemplo, na aquacultura, havia uma resistência muito grande quando se começou a abordar estas questões do bem-estar animal. Em poucos anos, vemos uma mudança enorme e a preocupação com o bem-estar dos peixes é hoje muitas vezes liderada pela própria indústria. Podemos capitalizar com esta experiência e adaptá-la para o setor das pescas", salienta João Saraiva.
A partir de 2025 entrarão em vigor os requerimentos de boas práticas de bem-estar na certificação FOS. "Também esperamos que estes resultados e documentos que serão produzidos cheguem aos órgãos decisores para que haja gradualmente uma implementação de melhores práticas a nível europeu", sublinha o coordenador. Para além disso, ficará também disponível para as empresas uma série de soluções caso queiram avançar para melhores práticas de bem-estar nas pescas.