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A indústria do cimento, responsável por cerca de 7% das emissões mundiais, tem na descarbonização um enorme desafio. O fim do comércio europeu de licenças de emissão está já marcado para 2039, se tivermos em conta as atuais políticas e as projeções da União Europeia. O que significa que o teto global de emissões para os setores industriais abrangidos pelo comércio de emissões vai ser de zero dentro de apenas 14 anos. Como vai esta indústria enfrentar este desafio e descarbonizar totalmente neste espaço de tempo?
No mais recente episódio do podcast "Sustentabilidade em Ação", incluído no Negócios Sustentabilidade 20|30, estiveram em debate os desafios e as oportunidades da descarbonização da indústria do cimento. A discussão foi moderada por Pedro Martins Barata, vice-presidente do Environmental Defense Fund e presidente do júri da categoria de Descarbonização do Prémio Nacional de Sustentabilidade, e contou com a participação de Paulo Rocha, diretor de Sustentabilidade da Cimpor, e de Ana Paula Rodrigues, head of Sustainability da Secil, representando as duas maiores empresas do setor em Portugal.
Calcinação difícil de descarbonizar
Atualmente, as emissões de gases com efeito de estufa das empresas dividem-se em três grandes categorias: âmbito 1, 2 e 3. No setor cimenteiro, as emissões de âmbito 1 correspondem às emissões diretas geradas pela produção de cimento. Conforme explicou Paulo Rocha: "Estas representam entre 85% e 90% das emissões totais da indústria cimenteira, sendo que 40% desta fração provém da combustão dos combustíveis usados no processo, e os outros 60% provêm do próprio processo químico da calcinação do calcário, que é a principal matéria-prima do cimento."
Segundo o responsável da Cimpor, se a redução das emissões de combustão vai ser conseguida através da transição para combustíveis alternativos e para eletricidade de fontes renováveis, já as emissões do processo de calcinação, que representam 60% das emissões de âmbito 1, "são o nó górdio ambiental do nosso setor, em que vamos continuar a trabalhar para arranjar soluções", afirmou.
No que diz respeito às emissões de âmbito 2, estas estão principalmente associadas ao consumo de energia elétrica. Embora atualmente sejam relevantes, espera-se que diminuam progressivamente com a descarbonização da rede elétrica e o investimento das empresas do setor em energias renováveis. Por fim, as emissões de âmbito 3 referem-se a atividades indiretas, como o transporte e a aquisição de matérias-primas, "exigindo uma atuação concertada com fornecedores e clientes para serem mitigadas ao longo da cadeia de valor", afirmou Paulo Rocha.
Roteiros pioneiros
O processo de descarbonização da indústria cimenteira não começou agora, como recorda Ana Paula Rodrigues, head of Sustainability da Secil: "O cimento foi um dos primeiros setores industriais a ter um roteiro de descarbonização, a nível global, logo em 2009." Estes roteiros, afirma, têm vindo a ser atualizados, e hoje em dia existem roteiros para a descarbonização também a nível europeu e a nível nacional. Estes documentos têm em comum uma abordagem integrada à descarbonização do setor cimenteiro, com ações ao longo de toda a cadeia de valor, no que é conhecido como a metodologia dos 5C: — Clinker, Cement, Concrete, Carbonation e Construction. O que significa que "reduzir as emissões de CO2 no setor exige uma transformação abrangente de processos, materiais e tecnologias", defende a responsável da Secil.
No domínio do clínquer, responsável por grande parte das emissões do processo produtivo, Ana Paula Rodrigues apontou soluções como o aumento da eficiência energética, a modernização de fornos e a substituição de combustíveis fósseis por alternativas limpas, como o hidrogénio. Ao nível do cimento, defendeu a criação de novos tipos de cimento, com menor teor de clínquer, utilizando matérias-primas de menor pegada carbónica como pozolanas, cinzas volantes ou argilas calcinadas. No betão, há uma aposta clara na redução da dosagem de cimento, e em tecnologias como a digitalização e o machine learning, que permitem processos mais eficientes e menos intensivos em carbono. "Procuramos ir buscar contributos para a sustentabilidade em toda a cadeia de valor com a metodologia dos 5C", sublinhou.
Legenda: Ana Paula Rodrigues, head of Sustainability da Secil.
Irredutíveis 35%
A carbonatação – a capacidade do betão de absorver CO2 – é também uma oportunidade de mitigação das emissões, tanto pela via natural (ao longo da vida útil dos edifícios) como por processos de carbonatação forçada, com agregados reciclados ou betão fresco, que aprisionam o carbono. Na fase de construção, a responsável apontou para novas técnicas como a impressão 3D e a construção modular, que reduzem significativamente o volume de betão utilizado. Estas inovações, a par da reciclagem de resíduos de construção e demolição, promovem uma circularidade que reduz ainda mais a pegada ambiental. No entanto, e apesar de todos os avanços, "temos ainda cerca de 35% de emissões totais – os tais 60% das emissões que vêm do processo de produção –, que só serão possíveis de abater com tecnologias como o CCUS", afirmou, referindo-se à captura, utilização ou armazenagem de carbono – um campo ainda em desenvolvimento, mas que será crucial para atingir a neutralidade carbónica.
Inovação e projetos
Em relação ao caminho que falta fazer na rota da descarbonização, os responsáveis das duas principais empresas do setor em Portugal falaram dos principais projetos que têm em curso para fazer avançar a sustentabilidade, com uma componente importante de inovação. Do lado da Cimpor, Paulo Rocha sublinhou a crescente utilização de combustíveis alternativos e de matérias-primas descarbonatadas, bem como os esforços para ganhar eficiência energética e substituir o clínquer por argilas calcinadas. Pela Secil, Ana Paula Rodrigues apresentou o projeto Clean Cement Line, que tem como objetivo reduzir em 20% as emissões de CO2 na fábrica do Outão. Um outro projeto é com a construtora Casais na produção de módulos de construção modular.
Legenda: Paulo Rocha, diretor de Sustentabilidade da Cimpor.
Preocupações e desafios
Em termos de preocupações comuns aos dois responsáveis, ambos questionaram a eliminação completa, a prazo, do comércio de emissões, que consideram uma ferramenta necessária de gestão das emissões, bem como a falta de definição regulatória sobre a captura e o armazenamento do CO2, uma possibilidade decisiva para uma indústria que vai enfrentar enormes desafios técnicos para eliminar todas as emissões que resultam da sua atividade.
Para o fim da emissão ficou uma reflexão conjunta sobre a necessidade de integrar as dimensões tecnológica, económica e social no esforço de descarbonização. Neste contexto, Pedro Martins Barata destacou como muito interessante "ver que as empresas do setor dos cimentos em Portugal estão atentas e têm já um historial, desde 2009, nesta área da descarbonização", disse.