
A transição energética é imperativa, nomeadamente para os setores mais difíceis de descarbonizar, como a aviação e a indústria química, que são tradicionalmente associados a elevadas emissões de carbono. Nestas indústrias, o recurso intensivo a energias renováveis está a tornar-se fundamental para o sucesso dos esforços de descarbonização da economia.
No mais recente episódio do podcast "Sustentabilidade em Ação", produzido no âmbito da iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, o tema central foi "Energias renováveis: o tempo da descentralização e das novas energias". Com a moderação de Pedro Martins Barata, vice-presidente do Environmental Defense Fund e presidente do júri da categoria de descarbonização do Prémio Nacional de Sustentabilidade, este episódio contou com a participação de Andreia Ramos, diretora de Sustentabilidade e Ambiente na ANA Aeroportos, e Luís Delgado, administrador executivo da Bondalti, falaram sobre o papel das energias renováveis na transição energética de setores difíceis de descarbonizar. Entre as ambições e obrigações ambientais e as preocupações com a competitividade, a aposta é na inovação e no investimento em tecnologias limpas.
Aeroportos net zero
Do lado da ANA Aeroportos, empresa do grupo VINCI, que gere dez aeroportos em Portugal, há metas ambientais exigentes. "Queremos atingir net zero emissions até 2030 nos âmbitos 1 e 2", afirma Andreia Ramos. Para isso, na área da energia a empresa aposta fortemente na eficiência energética e em fontes renováveis. Entre as medidas já implementadas estão a substituição de caldeiras a gás por bombas de calor, a modernização de equipamentos AVAC e a instalação de centrais fotovoltaicas — como já acontece em Faro e em breve no Porto Santo, existindo planos para Lisboa e para o Porto. "Desde 2018, reduzimos 88% das emissões nos âmbitos 1 e 2, também com recurso a energia que contratamos com garantias de origem" revela a responsável.
No entanto, no conjunto da pegada carbónica do setor da aviação, os aeroportos representam cerca de 2%. Os restantes 98% pertencem ao âmbito 3 – e, dentro deste, 98% são emissões dos voos. "Portanto, é aí que temos de concentrar os esforços. Será necessário um grande compromisso e um investimento enorme para descarbonizar o combustível jet usado pelas aeronaves", estima Andreia Ramos. A resposta passa pela introdução progressiva de Sustainable Aviation Fuels (SAF), conforme determinado pelo regulamento europeu ReFuelEU Aviation. A meta é ambiciosa: atingir 70% de SAF até 2050.
Química renovável
Do lado da indústria química, segundo Luís Delgado, "esta tem feito um caminho importante no que toca à sustentabilidade e à redução do impacto ambiental. Desde os anos 90, o setor reduziu mais de 40% das suas emissões de CO2". Mas, alerta, "o trabalho está longe de estar concluído". Acresce que, pelo seu posicionamento na cadeia de valor de inúmeros produtos e serviços, "É essencial garantir que os produtos da indústria química cheguem aos nossos clientes com a menor pegada carbónica possível – não só por convicção, mas porque disso depende a nossa sobrevivência no mercado, a prazo", afirma o responsável.
Neste contexto, a Bondalti Energy assumiu uma estratégia de sustentabilidade que contém grandes desafios. A empresa é um dos maiores consumidores de eletricidade em Portugal – "consumimos o equivalente a uma cidade como Guimarães e arredores", afirma este responsável. Mas, apesar disso, a Bondalti assumiu o compromisso de garantir, até 2030, que 100% da sua eletricidade provém de fontes renováveis. "Apostamos na produção própria com parques fotovoltaicos, no desenvolvimento de tecnologia de baterias de armazenamento e na eletrificação das caldeiras de vapor", explica Luís Delgado. Estas ações permitirão à Bondalti reduzir em 30% as emissões de âmbito 1 e 2 nos seus complexos de Estarreja (Portugal) e Torrelavega (Espanha).
Mas a empresa vai mais longe, e explora o potencial do hidrogénio verde, da bioquímica e da economia circular para fazer avançar a sustentabilidade. "Estamos a investir em inovação para substituir matérias-primas fósseis por alternativas bio e circulares", afirma Luis Delgado. No entanto, o administrador sublinha as dificuldades que existem para manter a empresa competitiva: "Temos preços de energia completamente desajustados face a outras regiões do mundo, o que afeta a nossa competitividade". Outro obstáculo é licenciar projetos em Portugal, que considera lento e burocrático.
Cadeias de valor e cooperação
Numa perspetiva mais ampla, tanto a ANA como a Bondalti reconhecem que uma parte significativa das suas emissões está fora do seu controlo direto — o chamado âmbito 3. No caso da ANA, a cooperação com companhias aéreas, operadores e concessionários é fundamental. "Somos quase o maestro desta grande orquestra que é o ecossistema aeroportuário", diz Andreia Ramos, lembrando o grupo de trabalho lançado em 2021 com mais de 60 stakeholders para a gestão voluntária do carbono. Já na Bondalti, a descarbonização do âmbito 3 passa por mudar a origem da energia e das matérias-primas. "É preciso apostar na circularidade e na origem bio, mas sem inovação e apoio, não é viável", defende Luís Delgado. Desta forma, ambos os convidados sublinham a importância das políticas públicas e dos incentivos financeiros adequados. "Não basta definir metas, é preciso assegurar que os setores difíceis de descarbonizar têm meios para as cumprir", alerta o responsável da Bondalti.
Complexo mas incontornável
Complexo mas incontornávelEm conclusão, para estes setores, o caminho para a descarbonização não será simples — mas é incontornável. As estratégias da ANA Aeroportos e da Bondalti mostram que, com visão de longo prazo, inovação e cooperação ao longo das cadeias de valor, é possível reduzir emissões sem abdicar da competitividade. No entanto, para que o esforço empresarial tenha impacto à escala necessária, é essencial que haja condições habilitadoras: políticas públicas estáveis, agilidade nos processos de licenciamento e um quadro de incentivos que reconheça a urgência climática e a especificidade dos setores intensivos em energia. Porque, como ficou claro neste episódio do Sustentabilidade em Ação, descarbonizar custa — mas não descarbonizar pode sair ainda mais caro.