A transição energética ligada ao mar português ganhou novo fôlego com a criação oficial da Task Force para a Descarbonização Azul, iniciativa do UN Global Compact Network Portugal que pretende acelerar a transformação ambiental do setor marítimo. O objetivo é ultrapassar barreiras, promover inovação e criar soluções concretas que reduzam emissões no transporte marítimo e nos portos.
A Direção-Geral da Política do Mar abraçou o projeto “com enorme gosto”, sublinhou, esta quinta-feira, a diretora-geral Marisa Lameiras da Silva. “Esta task force é muito importante e é por isso mesmo que a Direção-Geral Política do Mar se associa a esta iniciativa”, disse.
A responsável, que marcou presença no lançamento da iniciativa, em Lisboa, lembrou o alinhamento com a Estratégia Nacional para o Mar 2030, destacando investimentos como a nova área de emissões controladas (ECA) do Atlântico Nordeste e o apoio do PRR à navegação ecológica. A ECA é uma zona marítima com regras ambientais mais rigorosas, onde os navios são obrigados a usar combustíveis mais limpos ou tecnologias que reduzam emissões de poluentes como o enxofre e as partículas, melhorando a qualidade do ar e protegendo ecossistemas costeiros.
Além do grupo de trabalho, que reúne empresas e entidades estratégicas, há um Comité Consultivo e parceiros internacionais como o World Resources Institute e a SBTi - Science Based Targets initiative. A iniciativa vai produzir uma brochura de diagnóstico e um relatório final com recomendações de política pública e boas práticas.
A sessão foi conduzida por Anabela Vaz Ribeiro, diretora-executiva do UN Global Compact em Portugal, que destacou o carácter colaborativo da iniciativa e a urgência do momento. “Queremos reunir partes interessadas que consigam ajudar a ter orientações práticas para a descarbonização do setor marítimo” e produzir recomendações que contribuam para “desbloquear obstáculos regulatórios e tecnológicos” identificados pelas empresas.
A responsável sublinhou ainda que o trabalho será desenvolvido entre novembro e maio, com foco na partilha de conhecimento, mapeamento legislativo, boas práticas e propostas para políticas públicas. “Este é o desafio e esperamos poder contar convosco para este trabalho”, apelou.
Empresas pedem colaboração e estabilidade
No debate que se seguiu, os desafios das empresas ficaram evidentes e incluem a incerteza tecnológica, crescentes exigências regulatórias, escassez de combustíveis alternativos e insuficiência ao nível das infraestruturas.
Para Pedro Amaral Frazão, do Grupo Sousa, o tempo económico do setor colide com o ritmo exigido pela transição ambiental. “A vida operacional [dos navios] não é conciliável com a vida ambiental do navio. E este é o problema”. Ou seja, navios feitos para durar décadas estão agora perante exigências tecnológicas e ambientais que mudam mais rápido do que o ciclo de investimento permite. Sem saber qual o sistema de propulsão futuro, os armadores enfrentam dificuldade em investir com segurança porque “não se sabe quais são os combustíveis de futuro”.
Do lado dos operadores turísticos, a Mystic Invest - dona de companhias como a Douro Azul e que opera navios fluviais e de cruzeiro - sublinhou a necessidade de alinhar ambição com realidade operacional. Marisa Costa, responsável de sustentabilidade, lembrou que a indústria tem feito investimentos para reduzir emissões, mas o ecossistema ainda não acompanha. “Mesmo quando os navios estão prontos para ligações à rede, muitos portos europeus ainda não estão preparados”, afirmou, apontando para o atraso em infraestruturas como o shore power, que permite desligar motores e reduzir emissões enquanto os navios estão atracados.
A responsável lançou ainda um alerta sobre o impacto económico, já que o kWh para navios “representa 10 vezes mais o valor cobrado à indústria de um modo geral”. Para a Mystic, o caminho faz-se “com ambição, mas também com pragmatismo e previsibilidade”, reforçando a importância de “articulação entre setor público, energia e operadores” para evitar uma transição desigual.
A PRIO, que produz biocombustíveis em Portugal, defendeu que a descarbonização pode começar já com recursos existentes. “Os biocombustíveis são uma excelente solução para iniciar este caminho, e não requerem necessidade de investimento adicional”, afirmou Telmo Ferreira, responsável de shipping. Num contexto de incerteza tecnológica, argumentou que combustíveis líquidos avançados, produzidos a partir de resíduos e com menor pegada carbónica, podem servir como ponte até soluções definitivas como o hidrogénio ou combustíveis sintéticos. “Temos tecnologia nacional e capacidade instalada. É possível avançar sem esperar pela solução perfeita”, resumiu.